TUNDAVALA
Revista Angolana de Ciência
com consequências na adaptação psicológica e social
do sujeito e do grupo. Por este movo, pode exisr a
adopção de valores e referências novas, como forma
de acomodação e resiliência dos sujeitos deslocados.
Neste contexto, o papel das igrejas torna-se interessante
pois que elas são os actores da sociedade civil de Angola
com estruturas organizacionais mais desenvolvidas e
com redes de trabalho internacionais mais fortes.
As igrejas em Angola compreendem um grupo de
actores muito diverso e heterogéneo. De acordo
com o Instuto Nacional dos Assuntos Religiosos há
83 igrejas reconhecidas e 902 não reconhecidas de
várias orientações (Instuto Nacional para os Assuntos
Religiosos, 2008)
Em Angola, a guerra foi prolongada e as consequências
foram devastadoras. Muitas pessoas morreram vímas
directas ou indirectas da guerra. Dados recentes
apontam para 1,5 milhões de angolanos mortos nos
conitos armados (France Presse, 10 de Setembro de
2003). Durante estes conitos, muitas pessoas perderam
familiares e amigos e foram vímas de violência sica e
psíquica. Toda a província foi fusgada pela guerra, com
assimetrias regionais e de intensidade.
As cidades angolanas também foram afectadas pela
guerra. Durante o longo período de guerra que Angola
atravessou as populações deslocaram-se à procura
de maior segurança, tendo de se adaptar a novos
padrões sociais das zonas onde se estabeleceram,
inuenciando por sua vez as sociedades dessas zonas.
Em qualquer dos casos as religiões representaram um
papel importante, pois apareceram como “substutas”
dos valores tradicionais perdidos. O fenómeno religioso
aumentou consideravelmente e deu-se o aparecimento
e a explosão de novas igrejas, para além das tradicionais
(católica, evangélica e advensta). Importa referir que
em cada uma das religiões os valores são diferentes.
A violência gera violência e as reacções agressivas
ao meio hosl tornaram-se uma constante no
comportamento dos angolanos. A religião cristã,
presente sob a forma de um número crescente de
igrejas e comunidades, tornou-se um refúgio para
aqueles que perderam os seus valores de referência,
nomeadamente os valores tradicionais das suas etnias,
e um paliavo para a dor causada pelas inúmeras perdas
materiais e humanas. Para além destas, regista-se
toda uma variedade de maneiras como as pessoas,
no quadro dos tecidos sociais onde se encontram
inseridas, procuram arcar com as experiências dos
conflitos violentos que os atingiram de um modo
ou de outro.
Neste contexto, pretende-se estudar de forma
abrangente o impacto da guerra nas populações da
Huíla, tendo em conta os valores morais, a inuência da
religião na manutenção dos mesmos, nas áreas urbanas
e rurais da Huila, bem como trabalhar as experiências
vividas com conitos violentos e a forma como se
reecram em mudança de atudes e de prácas,
nomeadamente a inuência das religiões em todos
estes processos.
Abordaremos este trabalho a parr de alguns
conceitos chave. Não é fácil encontrar uma denição
precisa, aceite universalmente de religião. Isto deve
se às grandes diferenças entre as tradições que
comummente são categorizadas como religiões.
Na obra Reason and Religious Belief: An Introduconto
the Philosophy of Religion, é nos proposta como
denição de trabalho o seguinte: “A Religião é
constuída por um conjunto de crenças, acções e
emoções, ambas pessoais ou colecvas, organizadas em
torno do conceito de uma Realidade Úlma” (Peerson
et al., 1991, p.4). Para Durkheim “Uma religião é um
sistema solidário de crenças e de prácas relavas a
coisas sagradas, isto é separadas, interditas crenças e
prácas que unem numa mesma comunidade moral,
chamada Igreja, todos quantos a ela aderem” .
O sociólogo Anthony Giddens concebe a religião
de maneira formalista, ressaltando o seu carácter
externo, referente aos cultos e acvidades religiosas
colecvas. Assim, para ele, As religiões envolvem um
conjunto de símbolos, que invocam senmentos de
reverência ou de temor, e estão ligadas a rituais ou
cerimoniais (como os serviços religiosos) dos quais
parcipa uma comunidade de éis. (...) Mesmo que as
crenças de uma religião possam envolver deuses, quase
sempre existem seres ou objectos que inspiram atude
de temor ou admiração (GIDDENS, 2005, p. 427).
A religião é cultural, ela varia de cultura para cultura,
albergando valores culturais de certas regiões.
A não adequação das religiões à cultura de seu
respecvo povo, implica a sua inacção. A maioria
das culturas nasceu e cresceu com suas respecvas
religiões e cultos, o que conrma que a religião está
intrinsecamente ligada aos padrões e valores morais da
cultura de determinado povo. (Giddens, 2005, p. 427).
Segundo dados qualitavos, no caso das zonas rurais
há transmissão de valores de geração para geração,
tornando-se assim importante para a socialização.
Esses valores são válidos historicamente porque são
criações humanas e, como tais, atendem a necessidades
de um determinado grupo e um dado momento. Por isso,
são passíveis de mudanças (Érnica 2000).
“A religião por um lado, assegura grandes níveis de
sociabilidade, pois as pessoas vivem em comunidade e
têm laços sociais fortes e por outro ela também contribui
para a educação moral das pessoas” (Weber, 2006, 13).
A religião é um factor de mudança na medida em que
em certos casos constui-se no principal instrumento
de preservação e manutenção de uma comunidade
uma vez que conta com a parcipação da grande
maioria dos seus integrantes, modelando a conduta de
vida práca dos crentes.
Entende-se por Valores Morais os juízos sobre as acções
humanas que se baseiam em denições do que é bom/
mau ou do que é o bem/o mal. Eles são imprescindíveis
para que possamos guiar a nossa compreensão do mundo
e de nós mesmos e servem de parâmetros pelos quais
fazemos escolhas e orientamos as nossas acções. Eles estão
presentes nos nossos pensamentos, nas coisas que dizemos
e escrevemos e, claro, nas nossas acções. Apesar dessa
presença em toda a nossa vida, as ocasiões mais propícias
para invesgarmos a sua importância para a compreensão
e direccionamento das acções são aquelas em que
somos chamados a fazer escolhas importantes. Nesses
momentos, sabemos que não podemos agir em função
da primeira coisa que nos passar pela cabeça; precisamos
pensar bem, avaliar o que realmente queremos, quais as
consequências se zermos isso ou aquilo, o que perdemos
e o que ganhamos (Érnica, 2012).
Os valores morais servem justamente para orientar
as pessoas no momento de escolhas e de construção
de suas existências. Como a acção humana é aberta
e não inteiramente determinada, toda a comunidade
humana precisa criar valores que permitam disnguir
os comportamentos desejados e bons dos indesejados
e maus. Do mesmo modo, toda sociedade promove
uma reexão críca sobre seus valores morais e suas
prácas reais.
Assim, todos nós fazemos apreciações morais e colocamos
indagações sobre o que é bom e mau (Érnica, 2012).
Para Lourenço (2006:356), os valores morais referem-
se a tudo o que é susceptível de orientar a acção
e o pensamento em situações normativas ou
prescritivas. São uma categoria de conteúdo, não
uma categoria estrutural.
Metodologia
Em termos de metodologia, o presente estudo baseia-se
principalmente num inquérito por uma amostragem de
210 sujeitos de idade compreendida entre dos 17 aos 69
anos de idade, de ambos os sexos, da cidade do Lubango
e dos municípios da Matala, Humpata e Lubango. Os
municípios da Humpata, e da Matala estão inseridos num
contexto rural.
Importa ainda salientar que os municipios supracitados
veram um envolvimento directo muito limitado nos
conitos armados tanto na guerra an-colonial como
na guerra civil. No entanto sofreram impactos indirectos
dos conitos, devido ao auxo de numerosas pessoas
deslocadas que vinham de outras provincias como
Benguela e Huambo.
Pretendeu-se estudar a área urbana, peri-urbana e rural
da província da Huíla, principalmente pelo recurso a
inquéritos e quesonários, cujos itens correspondem
a variáveis teoricamente denidas e que permitem a
análise estasca correlacional dos resultados.
Optou-se por quesonários (perguntas fechadas)
elaborados e validados para a população, portanto em
contacto e diálogo com esta. Este procedimento, passou,
posteriormente pela realização de entrevistas, garanndo
a adequação dos quesonários às realidades sociais
invesgadas e fornecendo suportes adicionais para a
interpretação cabal dos resultados dos quesonários.
O instrumento ulizado para medir as variáveis estudadas foi
o Quesonário de Valores Morais e Religiosos, onde consta
uma primeira parte com aspectos sociodemográcos, uma
segunda com aspectos relacionados com a religião, e uma
terceira e ulma parte com histórias relacionadas com
aspectos religiosos, onde cada sujeito tem de decidir sobre
a resposta ao problema que considera mais adequada.
O coeciente alfa de Cronbach para a segunda parte do
instrumento, que mede o grau de religiosidade, foi de .82,
o que é aceitável, mostrando que o instrumento está
adequado à realidade angolana.
A religião e os valores morais: O caso da Província da Huíla
Tânia Baião