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Autonomia e integração curricular: propostas para a melhoria do
ensino primário em Angola
Autonomy and curricular integration: proposals for improving the primary education in
Angola
Autonomía e integración curricular: propuestas para mejorar de la educación primaria
en Angola
António Luís Julião
1
Instituto Superior Politécnico Católico de Benguela, Angola
jconsultoriacientifica23@gmail.com
Resumo
Neste artigo procurou-se reflectir sobre as margens de autonomia outorgadas aos professores,
bem como as possibilidades de integração curricular para a melhoria da qualidade do ensino
primário em Angola. Defendemos a ideia de que se deve utilizar a abordagem curricular
integradora, colocando ênfase nas disciplinas formais e nos saberes locais para formação
integral. Para o cumprimento dos objectivos propostos, recorremos a um estudo exploratório,
de natureza qualitativa, com recurso à pesquisa bibliográfica e análise de documentos
normativos. Os principais resultados alcançados indicam a existência de significativas
margens de autonomia para os professores, permitindo-lhes garantir o sucesso educativo e
promover inúmeras possibilidades de construção colectiva a partir dos desafios locais. Porém,
contrariamente a essa perspectiva, a realidade captada por observações sistemáticas,
conversas informais, convivências, consulta documental e bibliográfica, aponta para um
currículo ortodoxo e professores que assumem o consumismo curricular, colocando em causa
o projecto da qualidade. Assim, considerando a escola como centro de decisão curricular,
concluímos que os professores devem ser protagonistas na adequação do currículo nacional
às realidades locais, integrando saberes e experiências locais. Este trabalho tem a sua
relevância por apresentar propostas de duas matrizes curriculares integradoras para a
transformação do ensino primário em Angola.
Palavras-chave: Currículo; Flexibilidade; Mudança.
_________________________
1
Mestre Instituto Superior Politécnico Católico de Benguela. Especialista em Desenvolvimento Curricular
e Inovação Educativa. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa em Políticas Curriculares da
Universidade Federal da Paraíba, Brasil.
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Abstract
The aim of this article is to reflect on the margins of autonomy granted to teachers, as well as
the possibilities of curriculum integration to improve the quality of primary education in Angola.
We defend the idea that an integrative curricular approach should be used, emphasising formal
subjects and local knowledge for comprehensive training. In order to fulfil the proposed
objectives, we used an exploratory study of a qualitative nature, using bibliographical research
and an analysis of normative documents. The main results show that there are significant
margins of autonomy for teachers, enabling them to guarantee educational success and
promote countless possibilities for collective construction based on local challenges. However,
contrary to this perspective, the reality captured by systematic observations, informal
conversations, socialising, documentary and bibliographic consultation, points to an orthodox
curriculum and teachers who assume curricular consumerism, jeopardising the quality project.
Thus, considering the school as the centre of curricular decision-making, we conclude that
teachers must be protagonists in adapting the national curriculum to local realities, integrating
local knowledge and experiences. This work is relevant because it presents proposals for two
integrative curricular matrices for the transformation of primary education in Angola.
Keywords: Curriculum; Flexibility; Educational change.
Resumen
El objetivo de este artículo es reflexionar sobre los márgenes de autonomía concedidos a los
profesores, así como sobre las posibilidades de integración curricular para mejorar la calidad
de la enseñanza primaria en Angola. Defendemos la idea de que se debe utilizar un enfoque
curricular integrador, que haga hincapié en las asignaturas formales y en los conocimientos
locales para una formación integral. Para cumplir los objetivos propuestos, utilizamos un
estudio exploratorio de carácter cualitativo, recurriendo a la investigación bibliográfica y al
análisis de documentos normativos. Los principales resultados muestran que existen
márgenes significativos de autonomía para los profesores, lo que les permite garantizar el éxito
educativo y promover innumerables posibilidades de construcción colectiva a partir de los
desafíos locales. Sin embargo, contrariamente a esta perspectiva, la realidad captada por
observaciones sistemáticas, conversaciones informales, socialización, consulta documental y
bibliográfica, apunta a un currículo ortodoxo y a profesores que asumen el consumismo
curricular, poniendo en riesgo el proyecto de calidad. Así, considerando a la escuela como
centro de la toma de decisiones curriculares, se concluye que los docentes deben ser
protagonistas en la adaptación del currículo nacional a las realidades locales, integrando los
saberes y experiencias locales. Este trabajo es relevante porque presenta propuestas de dos
matrices curriculares integradoras para la transformación de la enseñanza primaria en Angola.
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Palabras clave: Currículum; Flexibilidad; Cambio educativo.
INTRODUÇÃO
A autonomia e a integração curriculares constituem hoje, uma temática central e
imprescindível para a qualidade da prática docente e melhoria dos processos de ensino
e aprendizagem, dessa forma, torna-se necessário que os professores assumam o
papel de decisores, intervindo de forma criativa na transformação e desenvolvimento
curricular.
É importante assumir a autonomia dos professores como liberdade de existência e
como um mecanismo de resistência, capaz de assumir a responsabilidade pela
qualidade do trabalho docente em termos relacionais. O professor precisa ser um
convicto e contínuo pesquisador para revolucionar a sua própria prática, saltar da
mesquinhez instrumental, praticista e redutora da moral e do profissionalismo docente
que o reduz a uma mera correia de transmissão de abordagens (Albino, 2020).
Desse modo, Sousa (2021) e Morgado (2000) consideram que, na complexa teia de
factores que contribuem para a melhoria da qualidade de ensino, o professor exerce
uma função crucial, que deve desempenhar o papel de mediador e decisor
curricular, porque conhece e sente o texto e o contexto. É nesta circunstância que se
defende a colegialidade docente, pois o exercício da autonomia das escolas e dos
agentes curriculares retira o professor da sua zona de conforto na sala de aula (para
onde é recorrentemente remetido por uma visão romântica e individualista), este
exercício introduz de forma realista e com maior probabilidade de sucesso, a inovação
e a aprendizagem da prática no contexto do trabalho cooperativo na escola (Machado &
Formosinho, 2016).
Inserida nesta lógica e no sentido de melhorar a qualidade educativa e alargar as
margens de actuação dos professores, o Decreto Presidencial n.º 276/19 (2019), de 6
de Setembro, que regula o Subsistema de Ensino Geral, a Lei de Bases n.º 32/20 (2020),
de 12 de Agosto, que estabelece os princípios e as bases gerais do Sistema de
Educação e Ensino e o Decreto Presidencial n.º 160/18 (2018), de 3 de Julho, que
aprova o Estatuto dos Agentes da Educação, desafiam as escolas e os seus professores
a flexibilizar o currículo em função dos seus contextos específicos e das necessidades
dos alunos. De forma directa, estes normativos legais sugerem a autonomia e
flexibilidade curricular, que consiste na possibilidade dada à escola e aos professores
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de concretizarem o projecto educativo, o desenvolvimento do projecto curricular, a
inovação e sustentabilidade dos programas, com o objectivo de mudar o rosto e a
gramática escolar, abrindo espaço para a cooperação, o diálogo, a solidariedade, a
criatividade e a melhoria da qualidade de ensino (Alves, 2017).
Outrossim, tendo em conta o princípio da educação integral e os objectivos específicos
do ensino primário estabelecidos n a Lei de Bases n.º 32/20 (2020), e a necessidade de
se actualizar continuamente os currículos em função das necessidades reais dos
contextos e dos sujeitos (Roldão, 1999), torna-se fundamental problematizar a lógica
da uniformidade e da racionalidade curricular burocrática, bem como o hiato existente
entre os conteúdos formais totalmente obrigatórios e os saberes informais das
comunidades, no âmbito do binómio curricular em que os contextos devem acomodar,
dialogar ou ajustar as lógicas nacionais (Roldão, 1999), numa perspectiva interpretativa
e menos determinista (Pacheco, 2001). Dito de outro modo, motiva-nos reflectir sobre
essas questões o facto de o currículo escolar, sobretudo do ensino primário,
apresentar um figurino de disciplinas exclusivamente formais e ortodoxas, que
pensadas por especialistas e decisores políticos, que segundo Pacheco (2016)
parecem desconsiderar e excluir os contextos locais e os saberes informais das
comunidades, que contribuíram significativamente para o desenvolvimento
harmonioso das múltiplas capacidades dos sujeitos.
Da mesma forma que democracia não se estabelece por decreto, mas por desejo e
participação activa de uma sociedade, pensamos que a autonomia não pode ser
determinada por lei. As leis podem ajudar no desenvolvimento da autonomia, criando
condições para que tal se efective, mas, a verdadeira autonomia nas escolas para
integração dos conhecimentos e experiência dos alunos, requer vontade,
responsabilidade e maturidade, de todos os segmentos envolvidos no processo
(Morgado, 2000). Daí a necessidade premente, associada, não à transferência das
competências de decisão do domínio do centro para o contexto das escolas e dos
professores, como também a ousadia e a destreza para a construção colectiva e
consciente dessa mesma autonomia nos contextos de operacionalização curricular,
ampliando as margens de actuação dos professores e reconhecendo-lhes o papel de
gestores flexíveis do currículo.
É nesta linha de pensamento que consideramos oportuno reflectir sobre a seguinte
questão: Quais são as margens de autonomia outorgadas aos professores, bem como
as possibilidades de integração curricular para a melhoria da qualidade do ensino
primário em Angola? Defendemos a ideia de que se deve aproveitar as margens de
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autonomia outorgadas para iniciar a abordagem curricular integradora, colocando
ênfase nas disciplinas formais e nos saberes locais para o desenvolvimento
harmonioso das capacidades dos sujeitos. Este trabalho tem a sua relevância ao
discutir e propor duas propostas de matrizes curriculares integradoras para
transformação do ensino primário em Angola e melhoria da qualidade da educação.
Dada a relevância da análise em foco e, para o cumprimento dos objectivos propostos,
recorremos a um estudo exploratório, de natureza qualitativa, com recurso à pesquisa
bibliográfica e análise de documentos normativos, dado ao facto de estudos desta
natureza, permitirem compreender, interpretar, explorar e descobrir factos ligados a
determinados fenómenos, bem como estabelecer as necessárias relações de causa e
efeito.
ENQUADRAMENTO TEÓRICO
Autonomia curricular da escola e do professor
A presença do termo autonomia e integração no contexto educativo contemporâneo
evidencia a sua tendência descentralizadora das actuais políticas educativas e
curriculares, que idealizam a escola, não como local estratégico de decisão
curricular, mas também como espaço de mudanças organizacionais e funcionais que
permitam melhorar o ensino e adequar o sistema educativo às exigências sociais,
económicas e ambientais (Machado, 2006).
A autonomia da escola, dos professores, dos alunos, e de outros actores educativos,
concretiza-se através de processos de decisão incidindo sobre todas as áreas político-
educativas (curriculares, didácticas, avaliativas, organizacionais, administrativas etc.),
ainda que em graus variáveis. Consubstancia-se no exercício de uma pedagogia aberta,
assegurando-lhe condições humanas, técnicas, tecnológicas e infra-estruturais para a
sua realização livre e democrática, traçando-lhe um quadro de valores, objectivos e
projectos educativos de referência (Lima, 2000). Por isso, parece-nos também
fundamental reflectir sobre a necessidade de políticas educativas e curriculares
descentralizadas como fundamento da autonomia da escola e dos professores e esteio
para um ensino voltado para as aprendizagens de todos e fundamentalmente de cada
um.
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Outrossim, Morgado (2000) analisa o conceito de autonomia curricular atribuindo-lhe
dois sentidos: (1) como conjunto de competências conferidas normativamente à
escola, concedendo-lhe autoridade em matérias importantes, mas dependendo
sempre da tutela e da própria administração, o que designa por autonomia decretada; e
(2) como um processo colectivo de construção que, respeitando os princípios e
objectivos do sistema nacional de ensino, se adequa às especificidades locais por via
de elaboração de projectos, o que designa por autonomia construída. Esses projectos
são fundamentais, caso se pretenda responsabilizar e atribuir aos professores um
papel construtivo, decisivo e activo no desenvolvimento do currículo (Pacheco, 2001),
assumindo-se como verdadeiras pedras angulares na promoção e garantia das
aprendizagens necessárias, por uma razão basilar: porque a missão central da escola é
fazer aprender todos os alunos (Roldão, 2009).
Nessa lógica, o Decreto Presidencial n.º 276/19 (2019), a Lei n.º 32/20 (2020) e o
Decreto Presidencial n.º 160/18 (2018), outorgam margens significativas de autonomia
aos professores do ensino primário e secundário para proceder à gestão flexível e
articulada dos programas de ensino adequando-os: à diversidade dos alunos, à
concretização do projecto educativo, ao desenvolvimento do projecto curricular, à
inovação e sustentabilidade dos programas, a encontrar mecanismos de diferenciação
pedagógica, a fim de promover o sucesso educativo, considerando as especificidades
dos sujeitos e dos contextos. Essa perspectiva é defendida por Morgado (2000), ao
considerar que para se fazer da escola um local de mudança e melhorar a qualidade de
ensino, é necessário conceder-lhe maiores poderes de decisão e criar condições para
que consiga construir a sua própria autonomia.
Em síntese, a mensagem que queremos destacar é que a centralidade da autonomia
curricular para que os professores adaptem o currículo proposto a nível nacional às
características e necessidades dos alunos e do contexto da escola, pode constituir um
caminho pedagógico facilitador e instigador de aprendizagens mais significativas para
os alunos e, por isso, susceptíveis de promoverem a melhoria dos processos de ensino
e aprendizagem e o sucesso educativo, quando perspectivadas no domínio da inclusão
dos saberes dos alunos e pertinentes ao contexto.
Integração curricular como itinerário para mudança da escola
Com essas margens de autonomia decretadas para os professores e com a
possibilidade de colectivamente se construir outras para construção de projectos
inovadores, é preciso encontrar alternativas de organização e gestão curricular
eficiente, capaz de ajudar os alunos a construir um conhecimento escolar encantador
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e necessário, que não encare o mundo como fragmento, parcelas, mas sim como
totalidade, definindo temas fora da grelha curricular, que funcionem como eixos
integradores de saberes, valores e metodologias das diferentes disciplinas do
currículo.
Em contexto de inúmeros desafios e obedecendo o princípio da unidade, urge
pensarmos em tornar o currículo mais próximo dos sujeitos e mais conectado aos
contextos de sua realização. Essa é também a compreensão de Bean (2003), que
defende que quando se perspectiva o conhecimento de uma forma integrada, torna-se
possível definir os problemas de um modo tão amplo tal como existem na vida real,
utilizando um corpo abrangente de conhecimento para os abordar.
De facto, uma das várias críticas à abordagem de um currículo ortodoxo, fechado em
disciplinas sem comunicação, é que esta abordagem inclui quase apenas o
conhecimento que reflecte os interesses das elites sociais e académicas da alta
cultura. Como a divisão do conhecimento por disciplinas se centra apenas nos tópicos
situados no interior das próprias disciplinas, outro tipo de questões e de conhecimento
são impedidos de entrar no currículo planificado, gerando a exclusão de outras
valências.
A integração significativa de experiências e saberes dos alunos promove uma
aproximação com a cultura da escola e facilita a aprendizagem. As ideias que as
pessoas têm sobre si próprias e sobre o seu mundo as suas percepções, crenças,
valores, etc. constroem-se com base nas suas experiências. O que aprendemos
através da reflexão sobre as nossas experiências torna-se um recurso para lidar com
problemas, questões e outras situações, tanto pessoais, quanto sociais, à medida que
estas surgem no futuro. Estas experiências e os esquemas de significação que
construímos a partir delas, não se posicionam simplesmente nas nossas mentes como
categorias estáticas e endurecidas. Pelo contrário, constituem significados fluidos e
dinâmicos que podem ser organizados de uma determinada maneira para lidar com um
assunto, e assim sucessivamente (Bean, 2003). Este género de aprendizagem implica
ter experiências construtivas e reflexivas, que não alargam e aprofundam o
entendimento actual de nós próprios e do nosso mundo, mas que também são
aprendidas de tal maneira que podem ser transportadas e utilizadas em novas
situações e numa concepção de currículo que procura relações em todas as direcções.
É nessa perspectiva que Julião (2022) considera que deve funcionar a abordagem
integradora, que envolve experiências formais e informais do contexto, no sentido de
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enriquecer a aprendizagem e tornar a escola mais encantadora, alegre, interessante e
atractiva.
Tal aprendizagem implica a integração em dois modos: um primeiro, à medida que as
novas experiências são “integradas” no nosso esquema de significação e, um segundo,
à medida que organizamos ou “integramos” experiências passadas de modo a ajudar-
nos a enfrentar novas situações problemáticas (Julião, 2022). Decerto, e pelo que diz
respeito a esta teoria, a questão crucial reside no modo como se organizam as
experiências curriculares e o conhecimento nelas implícito, de tal modo que os jovens
possam mais facilmente integrá-lo nos seus próprios esquemas de significação e com
eles progredirem.
Portanto, do ponto de vista dos documentos normativos, os professores em Angola
possuem margens de autonomia para inovar o currículo, integrando saberes e
experiências aos canais formais, considerando os desafios dos contextos, os
interesses, as motivações e as sensibilidades dos sujeitos. Entretanto, contrariamente
a essa perspectiva que ventila em prol da qualidade das aprendizagens, a realidade
empírica captada por observações sistemáticas, conversas informais, convivências,
consulta documental e bibliográfica, aponta para um currículo ortodoxo e professores
que desconhecem essas margens de autonomia, colocando em causa o projecto da
qualidade.
METODOLOGIA
Tendo em conta a questão que norteia a investigação e os objectivos definidos,
optamos por uma abordagem de natureza essencialmente qualitativa, que visa a
compreensão de fenómenos na sua totalidade (Coutinho, 2011). No âmbito da
educação, este paradigma procura, principalmente, a interpretação dos fenómenos
educativos.
Utilizamos o método indutivo-dedutivo, analítico-sintético, pesquisa bibliográfica, que
nos permitiu arrolar e condensar referenciais teóricos de vários repositórios e Revistas
Científicas internacionais como de Sousa (2021), Alves (2017), Machado & Formosinho
(2016), Bean (2003), Pacheco (2001), Morgado (2000), Roldão (1999) e pesquisa
documental, que se caracteriza pelo facto de a recolha de dados ter sido circunscrita à
análise de documentos oficiais como Decreto Presidencial n.º 276/19 (2019), Lei n.º
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32/20 (2020) e o Decreto Presidencial n.º 160/18 (2018), conforme Markoni & Lakatos
(2009).
A pesquisa documental e bibliográfica visa colocar o investigador em diálogo produtivo
com aquilo que foi escrito ou dito sobre um determinado assunto, o que lhe
proporciona um corpus de conhecimentos imprescindíveis para a construção de uma
base teórica para sustentar cientificamente o trabalho.
Para reforçar as nossas percepções e posições advindas das várias leituras heurísticas
da parte bibliográfica e documental, na primeira quinzena do mês de Novembro do ano
de 2023, visitamos algumas escolas do ensino primário de várias localidades urbanas e
rurais, com o objectivo de desenvolver observações, conversas e anotações informais e
perceber como se percepciona e se processa o desenvolvimento curricular nesses
diferentes contextos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Transformação curricular para a melhoria do ensino primário em Angola
Para melhor contextualização da abordagem e de modo a observarmos como os
conceitos de autonomia e integração podem ser concretizados, apresentaremos a
seguir os objectivos específicos e a matriz curricular vigente no Ensino Primário da
República de Angola e, em seguida apresentaremos e discutiremos duas propostas de
matrizes curriculares, resultantes das reforma curricular levada a cabo pelo Ministério
da Educação (INIDE/MED, 2019), sobre adequação curricular, da análise do Decreto
Presidencial n.º 276/19 (2019) e do Decreto Presidencial n.º 160/18 (2018) e das
conversas informais no contexto e dos estudos bibliográficos, todos fundamentados na
teoria curricular crítica, questionando os eixos da padronização curricular e
fomentando uma reorganização curricular por conta da diversidade dos contextos, de
novos desafios e outras necessidades.
Objectivos específicos do Ensino Primário em Angola
Segundo o artigo 29.º da Lei n.º 32/20 (2020), o ensino primário vai até a 6ª classe e visa
essencialmente:
(i) Desenvolver a capacidade de aprendizagem, tendo como meios básicos o domínio
da leitura, da escrita e do cálculo e das bases das ciências e tecnologias.
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(ii) Desenvolver e aperfeiçoar o domínio da comunicação e da expressão oral e escrita.
(iii) Aperfeiçoar hábitos, habilidades, capacidades e atitudes tendentes à socialização.
(iv) Proporcionar conhecimentos e capacidades de desenvolvimento das faculdades
mentais.
(v) Educar as crianças, os jovens e os cidadãos adultos para adquirirem
conhecimentos, habilidades, atitudes, valores e ética necessários ao seu
desenvolvimento.
(vi) Garantir a prática sistemática de expressão motora e de actividades desportivas
para o aperfeiçoamento das habilidades psicomotoras.
O Ensino Primário, como unificado de seis classes, constitui a base do ensino geral em
Angola, tanto para a educação regular como para a educação de adultos, sendo o
ponto de partida para os níveis subsequentes. Para alcançar esses objectivos, sugere-
se uma matriz curricular e um conjunto ordenado de práticas e acções compagináveis.
Entretanto, observando a matriz curricular vigente, questiona-se se a uniformidade
curricular num contexto tão rico e diversificado como Angola, poderá responder a
essas intenções expressas na Lei n.º 32/20 (2020) e no Currículo do Ensino Primário
(INIDE/MED, 2019). É nesta perspectiva que Leite (2006) defende o imperativo de as
instituições educativas e os seus agentes serem reconhecidos como agentes que
podem e devem transformar as comunidades, redireccionando de forma crítica as
estratégias e práticas educativas.
No contexto social da realidade do país, e como também defende Filipe (2018) na sua
dissertação, é notório que não se encaixa a intencionalidade do currículo nacional com
os objectivos específicos para os primeiros anos de escolaridade para servir e
responder aos desafios da sociedade. Isto se deve, em primeiro lugar, à necessidade
de se rever as escolhas educativas e à descentralização do currículo no que toca à
selecção e organização dos conteúdos disciplinares, a gestão dos mesmos na escola,
o que passa necessariamente pela materialização das margens de autonomia
curricular outorgadas às escolas e aos professores.
Em segundo lugar, as disciplinas e os tempos lectivos obedecem a um critério
unificado em todos os contextos escolares, em que todos têm de fazer as mesmas
coisas no mesmo tempo, considerando todos como se fossem apenas um. Ora, na
lógica que se defende neste texto e fruto das margens de autonomia outorgadas aos
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professores, este currículo piramidal, visto na verticalidade terá de passar a uma lógica
mais horizontal, mais próxima aos contextos e aos sujeitos, para que também se possa
reflectir na participação de outros parceiros curriculares e no desenvolvimento das
próprias comunidades.
Matriz curricular vigente no ensino primário
Para uma melhor ilustração do que ocorre no contexto angolano, tomemos como
exemplo o plano do Ensino Primário, que serve como referência comum e
necessariamente obrigatório para todos os contextos e todas as escolas que leccionam
este nível de ensino (cfr. Quadro 1 - Plano de estudos do Ensino Primário em Angola).
De realçar que todas as disciplinas são formais, fragmentadas e desenhadas a nível
central, ignorando-se os imperativos dos contextos e as particularidades dos sujeitos,
não permitindo dar sentido aos conteúdos, a partir da integração curricular, isto é, a
partir das questões, trajectórias, experiências e relações dos sujeitos envolvidos nos
processos educativos (Silva, 2016). Entretanto, estudos recentes apontam para o facto
de no âmbito do currículo, os actores escolares sentirem que o tempo de pandemia
demonstrou “a necessidade de promover e ampliar a diversidade de competências
cognitivas, sociais e emocionais, e de se concentrar no bem-estar dos alunos”
(Reimers & Schleicher, 2020, p. 6).
Quadro 1 Plano de estudos do Ensino Primário em Angola
DISCIPLINAS
CLASSES
HORÁRIO SEMANAL
CICLO
Línguas de Angola
3
3
3
3
3
3
Língua Portuguesa
7
7
7
7
6
7
Matemática
6
6
6
6
6
6
Estudo do Meio
3
3
3
3
3
Ciências da Natureza
4
História
2
Geografia
2
Educação Moral e Cívica
2
Educação Manual e Plástica
2
2
2
2
2
2
Educação Musical
1
1
1
1
1
1
Educação Física
2
2
2
2
2
2
Total Tempo Lectivo Semanal
24
24
24
24
29
24
Total Tempo Lectivo Anual
720
720
720
720
870
720
Fonte: Currículo do Ensino Primário em Angola (INIDE/MED, 2019).
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A partir dos contributos teóricos de Chervel (1990), percebe-se que a validade do
conhecimento escolar depende, acima de tudo, de uma matriz interactivamente
dinâmica entre o pessoal (quem aprende), o social (onde situa a escola) e a cultura (a
seiva que corre no interior da escola), ou seja, de uma matriz que é (re)construída ao
nível das várias fontes do conhecimento, considerando a autonomia e a integração
curriculares como principais propostas para transformar a escola em Angola.
Nas quatro primeiras classes existem 6 disciplinas com uma carga horária semanal
uniforme de 24 tempos lectivos. Nas duas últimas classes existem nove (9) disciplinas
com uma carga horária semanal uniforme de 29 tempos lectivos. Considerando um ano
lectivo regular de 30 semanas lectivas, nas quatro primeiras classes teremos 720
tempos lectivos respectivamente. Considerando um ano lectivo regular de 30 semanas
lectivas, para as duas últimas classes teremos 870 tempos lectivos respectivamente.
Ao terminar o ensino primário com o ano lectivo estimado de 30 semanas o plano de
estudos prevê uma carga de 4620 tempos lectivos para todas as escolas primárias
nacionais.
Entretanto, como todas as disciplinas são de carácter centralizado e obrigatórias para
todas as crianças e escolas do ensino primário em Angola, e desenvolvidas em turno
único exclusivamente no recinto escolar. As instituições escolares, apesar das
margens de autonomia que lhes foram outorgadas, encontram-se limitadas, sobretudo
do ponto de vista das condições materiais e humanas, para enriquecerem
substantivamente o currículo com ofertas formativas compagináveis às suas
necessidades e aos imperativos de seus contextos. Contraria-se, assim, as tendências
educativas pós-modernas e a lógica do binómio curricular defendida por Roldão (1999)
em que os contextos devem acomodar, dialogar ou ajustar as lógicas nacionais, numa
perspectiva interpretativa e menos determinista do currículo (Pacheco, 2001).
Percebe-se também que na referida matriz curricular, não uma componente que
enfatiza a necessidade de cumprimento do primeiro objectivo específico do ensino
primário, que é desenvolver a capacidade de aprendizagem, tendo como meios básicos
(…) as bases das ciências e tecnologias. Do mesmo modo não enfatiza as actividades
complementares nem oficinas curriculares, que podiam contribuir para o
fortalecimento e potencialização de habilidades linguísticas, matemáticas,
tecnológicas e demais áreas do conhecimento que constam do currículo comum.
Quando o currículo é visto dessa forma, certamente o processo de ensino-
aprendizagem torna-se fragmentado e desligado de suas realidades sociais, culturais,
étnicas, políticas e religiosas, fomentando o apartheid curricular (Julião, 2020).
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A lógica não é somente transformar a matriz curricular vigente. A perspectiva é de
aproveitar e construir colectivamente a autonomia para promover a integração
curricular dos saberes e experiências dos alunos e suas comunidades. Dito de outro
modo, que as disciplinas obrigatórias nacionais dialoguem com outros tempos da
formação humana que transcendem aos muros da escola, como tempo de lazer, de
convívio, de brincar, de dançar, de fazer, de aprender, seja no campo ou na cidade
(Silva, 2016; Coelho, 2009). Dessa forma, e segundo Zau (2005), o ensino primário
tornar-se o alicerce fundamental e o ponto de partida para o desenvolvimento
sustentado de recursos humanos do país.
Proposta de matriz curricular integradora para melhoria do ensino primário
Se, por um lado, o modelo curricular angolano (Quadro 1), de perspectiva tecnicista e
ortodoxa, ter-se-ia consagrado a ponto de garantir sua omnipresença nos mais
diferentes contextos sócio-históricos, por outro lado, e a partir das ideias
escolanovistas e desafios próprios do nosso tempo e contexto, precisa ser
problematizado e sofrer mutações significativas. A presente proposta de
transformação da matriz, parte do diagnóstico da ineficiência das instituições
escolares (INIDE/MED, 2019) e de vários documentos normativos supracitados, tal
como elas vêm se apresentando historicamente.
Em função dos resultados do Inquérito Nacional sobre Adequação Curricular (INIDE–
MED. s.d.) dos objectivos específicos do ensino primário, vertidos no art. 29º, da Lei n.º
32/20 (2020); das visitas de campo efectuadas nas diversas escolas dos municípios do
litoral e do interior, da lógica do binómio e da integração curriculares (Bean, 2003;
Roldão, 1999); das narrativas globais e da necessidade de se romper com um saber
limitado apenas ao ambiente escolar para formar com qualidade para a vida presente e
futura; urge conceber uma matriz como um conjunto de saberes e práticas que
procuram articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos
que fazem parte do património cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico. E,
assim, promover o desenvolvimento integral e reforço das comunidades, preservando o
modelo original ou referência comum nacional, aproximando a escola do mundo real
das crianças e adolescentes.
No entanto, segundo Pacheco (2016), nos debates sobre conhecimento escolar, a
responsabilidade é quase exclusivamente colocada nos especialistas e nos decisores
administrativos, ignorando-se o papel crucial que os professores, gestores escolares,
famílias e a própria sociedade têm no contexto da escola. As propostas seguintes (cfr.
Quadro 2 - Proposta curricular para os anos iniciais e finais do Ensino Primário para os
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centros urbanos e Quadro 3 - Proposta curricular para os anos iniciais e finais do
Ensino Primário para o interior), inspiradas nos eixos de uma aprendizagem
integradora, podem servir como bússola para novas reflexões a respeito da lógica e da
necessidade do cruzamento do currículo nacional e dos saberes e experiências locais,
no sentido de tornar a escola mais próxima da realidade dos sujeitos e as
aprendizagens mais significativas. A escola precisa transpor a realidade escolar e
acolher as identidades e sensibilidades dos que nela pululam para garantir a qualidade
e melhoria das aprendizagens dos alunos e das suas comunidades. As políticas
educativas e curriculares precisam estar conectadas às escolas e estas precisam
alinhar-se aos desafios próprios dos contextos em que estão inseridas.
Quadro 2 – Proposta curricular para os anos iniciais e finais do Ensino Primário
para os centros urbanos
Fonte: Elaboração Própria
COMPONENTES CURRICULARES
CARGA HORÁRIA
CURRÍCULO
NACIONAL
L. Portuguesa
8
8
8
6
6
6
Matemática
7
7
7
7
6
6
Ciências da Natureza
2
2
2
4
4
4
História
2
2
2
3
3
3
Geografia
2
2
2
3
3
3
Educação Moral e Cívica
2
2
2
2
2
2
Educação Física
2
2
2
2
2
2
PARTE
DIVERSIFICADA
Inglês
2
2
2
3
3
3
Educação para o Trânsito
1
1
1
1
1
1
Educação Financeira
1
1
1
1
1
1
Umbundo
2
2
2
3
3
3
Saúde, Ambiente, Cidadania e
Tecnologia
1
1
1
1
1
1
Autonomia e gestão de emoções
---
---
---
2
2
2
Oficina, teatro e visitas de campo
2
2
2
2
2
2
Totais horas
41
41
41
50
50
50
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Quadro 3 – Proposta curricular para os anos iniciais e finais do Ensino Primário
para o interior
Fonte: Elaboração Própria
Como se pode perceber, diferentemente da matriz curricular do ensino primário em
vigor no contexto angolano (quadro 1) de 4 a 5 horas de jornada escolar parcial, as
unidades vertidas nas propostas curriculares ultrapassariam a carga horária mínima
prevista diária de 8 horas, com actividades do currículo oficial e da parte diversificada e
estariam alinhadas na lógica da autonomia e integração curriculares, como sugerem os
documentos normativos e os desafios dos contextos (Bean, 2003; Morgado, 2000). Por
outro lado, deve-se dizer que, a ampliação do tempo de efectivo trabalho escolar e da
consideração das demais línguas nacionais, está colocada, sobretudo, como condição
fundamental para que se possa organizar um currículo capaz de integrar os diversos
campos de conhecimento e as diversas dimensões formadoras dos cidadãos da
contemporaneidade.
Com a introdução dessas áreas de conhecimentos no currículo do ensino primário para
as escolas do litoral e do interior, como a Educação Financeira, Educação para o
Trânsito, Educação Ambiental, Tecnológica, Cidadania, Inglês, Técnicas de Cultivo,
entre outras, reforçam-se as oportunidades de efectivação da teoria curricular crítica e
da definição de educação assumida pelo Estado angolano, cujo objectivo é, desde a
COMPONENTES CURRICULARES
CARGA HORÁRIA
CURRÍCULO
NACIONAL
L. Portuguesa
10
10
10
10
10
10
Matemática
10
10
10
10
10
10
Ciências da Natureza
2
2
2
4
4
4
História
2
2
2
3
3
3
Geografia
2
2
2
3
3
3
Educação Moral e Civica
2
2
2
2
2
2
Educação Física
2
2
2
2
2
2
Arte
2
2
2
3
3
3
PARTE
DIVERSIFICADA
Inglês
2
2
2
3
3
3
Técnicas de cultivo
1
1
1
1
1
1
Educação Financeira
1
1
1
1
1
1
Umbundo
2
2
2
3
3
3
Saúde, cidadania e
tecnologia
1
1
1
1
1
1
Oficinas e visitas de campo
---
---
---
2
2
2
Teatro, canto, dança e
provérbios
2
2
2
2
2
2
Totais horas
41
41
41
50
50
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base, preparar integralmente o indivíduo para as exigências da vida individual e
colectiva, como se pode constar na Lei n.º 32/20 (2020). Mais do que isso, a lógica é
proporcionar que os conteúdos curriculares formais sejam cruzados com conteúdos e
experiências relevantes da comunidade local, de modo que a escola seja atractiva,
inclusiva e significativa para transformar a vida e a comunidade das crianças. Tal como
considera o Banco Mundial (2011, p. 1) “todas as crianças e jovens adquirem o
conhecimento e as habilidades de que necessitam para terem vidas saudáveis,
produtivas e obterem um emprego significativo”.
O grande inimigo da padronização curricular é a incerteza. Por isso, as escolas devem,
na verdade, ser entendidas como parte integrante de um vasto contexto social e,
conjuntamente com outras instituições, participar nessa transformação curricular, na
conquista de um currículo vivo, atractivo e significativo para as crianças e adolescentes
do país. Entendemos que, para a formação completa, os nossos alunos devem ter
acesso a diferentes áreas do conhecimento e da cultura (currículo nacional comum e
os saberes e experiências locais) em oposição ao que ocorre actualmente.
Portanto, as propostas supra referenciadas permitem inovar e transmitir os conteúdos
de uma forma mais simples e descontraída, trazendo o assunto escolar para o
quotidiano dos alunos, mostrando-nos que o aprender e o ensinar não são práticas
mecânicas, mas sim práticas prazerosas e divertidas. Essas propostas servem apenas
de provocação e estímulo para que investigadores e decisores centrais repensem a
actual matriz curricular do ensino primário em Angola, que considera todos como se
fossem um, anulando identidades e subjectividades. Essas propostas são
extremamente flexíveis e beneficiam continuamente de várias reformulações e/ou
ressignificações, tendo em conta as dinâmicas locais, globais e a maleabilidade das
necessidades prementes dos sujeitos. Se a base não proporcionar as verdadeiras
bases para os níveis subsequentes o projecto da qualidade continuará adiado.
CONCLUSÃO
Não se pode garantir a excelência das escolas primárias com decisões tomadas fora
dela e à margem da gestão curricular flexível, visto que o currículo envolve sempre um
contexto e vários sujeitos, que devem ser considerados e integrados, em prol da
conquista da qualidade de ensino perseguida em Angola.
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Neste texto procurou-se reflectir sobre as margens de autonomia outorgadas aos
professores, bem como as possibilidades de integração de experiências e
conhecimentos curriculares para a melhoria da qualidade do ensino primário em
Angola. Defendemos a ideia de que se deve aproveitar as margens de autonomia
outorgadas para considerar a abordagem curricular integradora, colocando a ênfase
nas disciplinas formais e nos saberes locais para formação integral.
A reflexão sinaliza a existência de significativas margens de autonomia outorgadas aos
professores para garantir o sucesso educativo e aventa inúmeras possibilidades de
construção colectiva a partir dos desafios locais. Porém, contrariamente a essa
perspectiva, a realidade captada por observações sistemáticas, conversas informais,
convivências, consulta documental e bibliográfica, aponta para um currículo ortodoxo,
professores consumidores e curricularmente obedientes, que preferem manter-se
reféns do currículo nacional, colocando em causa o projecto da qualidade do ensino e
das aprendizagens.
Assim, considerando a escola como centro de decisão curricular, os professores,
devem afigurar-se protagonistas na adequação do currículo nacional às realidades
locais, integrando nos conteúdos formais, saberes e experiências locais. Da
necessidade de gerir o currículo emerge a elaboração do Projecto Educativo de Escola
e o Projecto Curricular de Escola, nos quais se identificam estratégias de
desenvolvimento do currículo nacional na perspectiva de projecto, visando adequá-lo
ao contexto de cada escola, tendo como centro os interesses dos alunos e dos
contextos, de forma a garantir a todos a igualdade de acesso a oportunidades
educativas.
Apesar do reduzido acervo bibliográfico existente em Angola sobre a temática, a
relevância do estudo assenta na apresentação de propostas de duas matrizes
curriculares integradoras para transformação do ensino primário em Angola, no sentido
de auxiliar decisores, gestores escolares a vários níveis, professores e a comunidade
em geral, a reflectir sobre outras possibilidades de se abordar a escola num contexto
de articulação significativa de actividades disciplinares e não disciplinares, formais e
não formais, caminhando-se para uma qualidade que inclui e valoriza o sujeito na sua
multidimensionalidade e respeita os contextos de operacionalização do currículo,
contribuindo para a melhoria da qualidade de ensino primário em Angola.
Portanto, como a ciência é um campo aberto, interessaria em outros estudos procurar
saber o verdadeiro papel dos gestores escolares e das famílias nessa lógica de
integração curricular. Interessaria, igualmente, reflectir sobre as percepções dos
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professores sobre a autonomia e integração curriculares em Angola, sendo eles
principais artífices do currículo.
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para a Revista Científica de Estudos Multidisciplinares do Planalto Central.
Recebido em 19 de Janeiro de 2024
Aceite em 29 de Julho de 2024