Revista Científica do ISCED - Huíla, Lubango, v. 2, n.2, p. 81-97, Jul./ Dez., 2021.
Revista Científica do ISCED-Huíla
Copyright © 2024. Instituto Superior de Ciências da Educação da Huíla
81
ENSAIO
Njinga a Mbande: Discutindo Gênero, Poder e Guerra no Século
XVII em Angola
1
Njinga a Mbande: Discussing Gender, Power and War in 17th-Century in
Angola
Selma Alvez Pantoja
2
Universidade de Brasília, Brasil
selmaunb@gmail.com
Resumo
Njinga a Mbande (1582-1663) é a mais famosa e controversa personagem da história da região da
África Central Ocidental, no século XVII, região da atual Angola. Hoje, as distintas perspectivas
historiográficas interrogam-se: como a liderança dessa figura feminina se constituiu perante a
legitimidade e identidade de gênero dentro das estruturas de poder do Ndongo e de como sua imagem
se projetou publicamente por toda a região, ganhou crescente protagonismo nos relatos europeus e
marcou fundamentalmente a tradição oral dos diferentes povos da África Central Ocidental. A
presença da rainha Njinga atravessou o Atlântico e aparece no imaginário das narrativas populares e
míticas nas Américas.
Palavras-Chave: nero; Poder; Comércio de Escravos.
Abstract
Njinga a Mbande (1582-1663) is the most famous and controversial figure in the history of the West
Central African region in the 17th century, in what is now Angola. Today, various historiographical
perspectives question how this female leader's authority was constructed concerning gender
legitimacy and identity within the power structures of Ndongo. Additionally, these perspectives
explore how her image was publicly projected across the region, gaining increasing prominence in
European accounts and fundamentally influencing the oral traditions of different West Central
African peoples. Queen Njinga's presence crossed the Atlantic and appeared in the imaginary of
popular and mythical narratives in the Americas.
Keywords: Gender; Power; Slave Trade.
Entre o sertão e litoral: nasce a história da rainha Njinga
A história da Njinga a Mbande
3
tem atravessado o tempo e o espaço, como exemplo
de força e resistência, porém, dois tipos de representações permanecem e impressionam: sua
1
Versão resumida e modificada do artigo (2020) Njinga a Mbande: Power and War in 17th-Century
Angola, em Oxford Reach Encyclopedia of African History, Nova Yorque, Oxford University Press,
p. 01-23.
2
Doutora. Professora Catedrática. Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Sociedade e
Cooperação Internacional.
3
O nome dessa rainha pode ser encontrado com a grafia de Ginga, Nzinga, Jinga e Njinga. A grafia adotada
aqui, Njinga, considera as decisões tomadas no Encontro de aniversário dos 350 anos de morte da rainha em
Luanda, 2013, no qual os historiadores angolanos, assumiram a forma Njinga a partir da carta assinada pela
Revista Científica do ISCED - Huíla, Lubango, v. 2, n.2, p. 81-97, Jul./ Dez., 2021.
Revista Científica do ISCED-Huíla
Copyright © 2024. Instituto Superior de Ciências da Educação da Huíla
82
capacidade de estrategista militar e suas destrezas diplomáticas, habilidades reconhecidas
principalmente pelos seus inimigos na época.
A reconstrução do percurso da figura da rainha Njinga envolve um processo
metódico de leitura crítica de uma copiosa escrita seiscentista. Este processo é
complementado pela análise da bibliografia colonialista dos séculos XIX-XX com
interpretações especulativas, desde uma mulher diabólica, a a representação atual de
heroína do povo mbundu, enquanto reforço das construções identitárias. A metodologia
usada, portanto, concentra-se em analisar e comparar as narrativas colonialistas com as
interpretações contemporâneas, o que tem sido um desafio para os estudiosos, isto é, o
desafio entre essa historiografia colonialista, banalizada em período pós-colonial, e a
releitura das fontes primárias, com a necessidade de irem além da Biblioteca Colonial
(Mudimbe, 1994)
4
.
Bem antes da rainha Njinga nascer, o reino do Ndongo era uma comunidade
independente e relativamente centralizada (Vansina, 2004). Segundo a tradição oral e fontes
primárias, em 1561, o Ndongo era um grande reino com suas fronteiras delineadas, um
poderoso exército, independente dos seus vizinhos do Kongo e da Matamba, o local de
nascimento de Njinga, o reino do Ndongo, apesar de ser composto em grande parte pelos
povos mbundu, de língua kimbundu, abrangia alargadas fronteiras em termos políticos,
culturais e linguísticos, nesta ampla região da África Central Ocidental. A sua população se
dedicava a caça, a agricultura e à criação de gado de pequeno porte. Além disso, praticava o
comércio local, regional e inter-regional que abastecia os habitantes com produtos fora da
área, como sal, tecidos europeus e asiáticos, vinho e armas.
O Ndongo, resultante de um longo processo de consolidação interterritorial e
interétnico. A sua formação interna adveio de genealogias, com redes de parentesco, ligadas
própria neste formato. Ver (2013) 350 Aniversário de morte da soberana Njinga a Mbande e Aimé Cesaire:
Independência e Universalidade. República de Angola: Ministério da Cultura de Angola, Catálogo, 1663-2013.
4
Termo cunhado por Mudimbe, “Thus, doubtless, it was a discovery in this limited sense. Yet, one might very
seriously wonder, is it really historically true that the continent was discovery, the new cultural order it allowed,
and, in terms of knowledge, the texts that its discourses built and whose achievement is to be found in what I
term the “colonial library”. Looking again, however, it becomes apparent that indeed the fifteenth-century
discovery was not the first contact of the continent with foreigners. Hence that discovery spells out only one
viewpoint, the European”.
Revista Científica do ISCED - Huíla, Lubango, v. 2, n.2, p. 81-97, Jul./ Dez., 2021.
Revista Científica do ISCED-Huíla
Copyright © 2024. Instituto Superior de Ciências da Educação da Huíla
83
por conexões, que aparentemente pressupõem uma relação biológica e social, compondo os
grupos de ocupantes de títulos hierarquizados, por linhagens (Vansina, 1965; Miller, 1976;
Coelho, 1994, Coelho, 1997). Sob o poder dos Ngola, existiam autoridades posicionadas
com funções específicas, de conselheiros, responsáveis pela guerra e pela política externa.
Na base do poder local, estavam os sobas e outros tipos de autoridades, em contato direto
com a população. Cada soba devia entregar anualmente um tributo, chamado luanda,
significando a prova pública e simbólica de reconhecimento do poder do Ngola como o
titular máximo no Ndongo (Felner, 1933). As grandes tensões internas no reino decorriam
em parte por esta capacidade do soberano de manter o equilíbrio entre as autoridades locais,
os titulares das genealogias e o Ngola. Atentos a estas articulações, os Ngolas utilizavam
formas de assegurar a fidelidade dos sobas através do artifício de casamentos, ou
concubinatos com suas várias esposas, escolhidas diretamente entre famílias de poderosos
senhores locais e demais titulares. Segundo a tradição oral dos mbundu, o Ngola tinha
poderes sobre a chuva e a fertilidade dos campos, e deveria manter a segurança do seu
território. Os símbolos sagrados do poder real mais antigo eram um grande arco com flecha
e braceletes de metal chamado malunga
5
. As mais importantes decisões do Ngola eram
tomadas em conjunto com os conselheiros reais, os makota, além dos especialistas
administrativos em várias matérias como o tendala, o quiambole
6
. Os ngangas, os
sacerdotes, eram imprescindíveis ao poder do Ngola, eles que presidiam as cerimónias para
as guerras, nas celebrações por chuvas nas longas estações de estiagem, estando presentes
nos nascimentos, nos funerais e em todos os casos de cuidados da saúde. Em situação um
pouco mais abaixo em hierarquia, ficavam os xingulas, que como os ngangas, em casos de
dúvidas e de crise, incorporavam os espíritos dos antepassados que transmitiam suas
vontades, ajudando assim as deliberações dos governantes na época.
O Ndongo e os Portugueses
5
Do kimbundu, malunga, argolas de braço ou perna.
6
Do kimbundo, kota (sing.) makota (pl.) o mais velho de uma linhagem, conselheiros dos Ngolas e dos sobas.
Do kimbundo, tandala, tendala, o mais alto grau dentre os funcionários no Ndongo, uma espécie de primeiro-
ministro. Com o tempo esse termo ganhou outras conotações entre os portugueses. Do kimbundu, ngola a
mbole, chefe militar e comandante militar entre os mbundu, também com o tempo ganhou outros significados.
Revista Científica do ISCED - Huíla, Lubango, v. 2, n.2, p. 81-97, Jul./ Dez., 2021.
Revista Científica do ISCED-Huíla
Copyright © 2024. Instituto Superior de Ciências da Educação da Huíla
84
Os portugueses chegaram pela primeira vez a banza do Ngola, em 1561, eles
demonstraram a intenção de assegurar o fluxo das rotas comerciais que vinham em direção
ao litoral, trazendo escravos, marfim e cera, além de ir a busca das míticas minas de prata e
expandir o cristianismo
7
. Contudo, os reis do Ndongo deixaram bem claro que não estavam
dispostos a qualquer tipo de subordinação e intromissão em seus territórios. Sabendo que
parte da soberania dos Ngolas assentava-se na cobrança dos tributos, as forças militares
portuguesas dedicaram-se a conquistar partes do território do Ndongo, substituindo a
autoridade dos Ngola na tributação aos sobas e demais chefes locais, para garantir o fluxo
comercial através das rotas em direção à costa. Essas relações entre autoridades portuguesas
e lideranças locais emergem na documentação da época, como “relação de vassalagem”, na
qual as chefias locais ao pagarem o tributo tornavam se uma espécie de súditos do rei de
Portugal (Freudenthal & Pantoja, 2011). Na prática, essa substituição dos soberanos
africanos pelos portugueses na cobrança das luandas, constituiu-se num período de
sangrentas lutas, com avanços e recuos de ambas as partes. Os sobas e demais autoridades
locais, com suas terras invadidas e saqueadas e parte da população escravizada, acabavam
por reconhecer a sua condição de ‘vassalos’ do rei português. Njinga a Mbande nasceu neste
contexto dos primeiros ataques dos portugueses, para comercializar escravos e conquistar a
região. Ela tinha cerca de 20 anos quando os portugueses construíram o forte de Cambambe,
em 1603, no território do Ndongo. Em 1618, Njinga assistiu a outro espetacular avanço
português, desta vez no coração do território do Ndongo, a construção do forte de Ambaca.
Apesar desses constantes ataques, os Ngolas que antecederam a Njinga, conseguiram
manter-se independentes, sem pagar tributos aos portugueses. No entanto, em movimento
crescente, as chefias locais foram integradas ao circuito atlântico do comércio de escravos
na África Central Ocidental.
As investidas portuguesas em regiões de soberania do Ndongo significavam uma
ameaça fatal às instituições mbundu e, além da perda da cobrança das luandas por parte do
Ngola, outras representações de “soberania” territorial estavam em jogo, como por exemplo,
resguardar o aspecto simbólico do espaço como morada dos antepassados. Nesse sentido, a
relação com os Ngangas e Xinguilas foi o centro de outro embate, não militar, que
representava resistência a presença portuguesa em momentos diferentes. Nessa relação de
7
Do kimbundu, banza, mbanza, povoação de certa importância, lugar principal, cidade.
Revista Científica do ISCED - Huíla, Lubango, v. 2, n.2, p. 81-97, Jul./ Dez., 2021.
Revista Científica do ISCED-Huíla
Copyright © 2024. Instituto Superior de Ciências da Educação da Huíla
85
força, junto ao avanço das tropas portuguesas, chegavam os missionários, ativos agentes nas
ações de catequeses que fundamentavam suas crenças no dogma da conversão. Alguns
autores têm problematizado o fenômeno da conversão ao cristianismo, que ilustra a enorme
capacidade das cosmologias africanas de reagir de maneira criativa ao desafio que
representou esse evento sem precedente.
8
O Ndongo seria o grande empecilho para a
conquista da região, além de possuir uma numerosa força militar, estava sob seu poder uma
extensa população tributária, um contingente de trabalhadores, conhecidos por Kijikos, que
tinham estatuto de escravos e murindas, parte da população livre, porém, pertencentes as
comunidades. Todavia, a coesão e unidade do Ndongo tinha como base a crença nos poderes
especiais dos soberanos que combinados e coordenados pelos sacerdotes Ngangas e
Xinguilas sacramentavam as conexões entre Ngola e população mbundu.
Depois da morte de seu pai, o Mbande Ngola (1592-1617), o irmão de Njinga tornou-
se o titular, Ngola a Mbande (1621-1624), o novo soberano mbundu teve de enfrentar
devastadoras guerras sempre a impedir o avanço dos portugueses em seu território. Na
segunda década do século XVII, a guerra ganhou maior complexidade, quando outra força
inimiga aparece na região, os povos imbangalas, grupos nômades e guerreiros que atacavam
o território do Ndongo enfraquecendo mais ainda o poder do Ngola
9
. Depois de dois
combates e destruição da capital, Cabaça, o Mbande Ngola se refugiou nas ilhas do rio
Kwanza, Quindonga, de onde ele procurou um acordo de paz e se fortalecer com alianças
com algumas lideranças dentre os imbangalas, que não eram aliados dos portugueses. A
partir de 1622, para reestabelecer a situação do Ndongo, o Ngola buscou concretizar as
negociações de paz com os portugueses. Pelo lado de Luanda, fazia-se pressão política e
administrativa com o propósito de retomar as atividades comerciais, que garantiam o acesso
as rotas, interrompidas pelas guerras contra o Ngola.
8
Nesse debate ver, Horton, 1990: 85-86 e Mbembe, prefácio, 2013: 15-17. Outros autores, propõem uma
reflexão sobre o termo, com base nas principais fontes usadas para a construção da história da região da África
Central Ocidental e da trajetória da rainha Njinga, discutindo a conversão a partir dessas obras seiscentistas,
como por exemplo em: Almeida, 2017: 59-80. Fromomt, 2017: 11-31.
9
Sobre o tema há uma bibliografia ampla, seguem algumas referências: Vansina, vol. 7, n. 3 (1966): 421-429.
Birmingham, vol.6, n. 2 (1965): 15-143. Miller, vol. 13, n. 4 (1972): 549-574; Miller, vol. 13, n. 49, (1973):
121-149. Thornton, vol. 18, n. 69/70, (1978): 223-227. Bontinck, vol. 20, n. 79 (1980): 387-389. Hilton, vol.
22, n. 2, (1981): 191-202; Parreira, 1989: 155; Heintze, 1985: 25-66; Sousa, n. 18-19 (2000): 193-246.
Revista Científica do ISCED - Huíla, Lubango, v. 2, n.2, p. 81-97, Jul./ Dez., 2021.
Revista Científica do ISCED-Huíla
Copyright © 2024. Instituto Superior de Ciências da Educação da Huíla
86
Uma embaixada a Luanda
Em 1622, Njinga foi destacada pelo seu irmão para as negociações de paz e para
retomar as relações diplomáticas e comerciais nos contatos direto com os portugueses. A
macunze, embaixada enviada a Luanda, foi liderada pela irmã mais velha do Ngola, Njinga
a Mbande. Recebida com pompa diplomática no salão do palácio do governador em Luanda,
João Correia de Sousa (1621-1623), Njinga selou o acordo entre os dois estados, inclusive
com a promessa de retirada do forte de Ambaca. Nos cenários solenes das negociações,
ocorreu o episódio que a tornou famosa e lendária nos escritos e gravuras dos europeus que
viveram na região na sua época. Essas fontes relatam que Njinga, ao iniciar as conversações
do acordo, diante do governador português que estava acomodado em uma cadeira de grande
espaldar, imediatamente, para não se sentar em almofadas no chão e assim ficar em situação
inferior ao governante, fez de banco o dorso de uma das suas criadas. O que tem de ficção
ou realidade neste episódio não importa muito, mas com certeza, as narrativas reforçam a
imagem que ficou desse ato: uma mulher soberana e altiva. Nesta sua estadia em Luanda,
Njinga foi batizada com o nome cristão de Dona Ana de Sousa. O batismo de Njinga em
Luanda, como Dona Ana de Sousa, tem sido objeto de controvérsias, mas quase sempre visto
como um tipo de estratégia dela na relação de força com os portugueses, as próprias fontes
de época deixaram essa imagem. Em vários momentos do seu percurso, ela faria aliança com
os portugueses e tornar-secristã, com promessa de abandonar as crenças do seu povo. Em
outras situações, em plenas batalhas, ela retornou aos cultos dos seus antepassados mbundu
e/ou da Matamba, para, no final da vida, dedicar-se a católica. Portanto, suas ações até
hoje têm gerado interpretações diferentes entre os estudiosos.
As batalhas de Njinga pelo Ndongo
Em 1624, Njinga ocupou o cargo de Ngola do reino do Ndongo depois da morte de
seu irmão o Ngola a Mbande. Apesar de ser comum encontrar nos relatos das fontes que
Njinga teria envenenado o irmão, porém é possível outro entendimento da chamada
melancolia do Ngola diante da derrota, seguida do ato de ingerir veneno como uma ação que
foi comum entre os seus antepassados. É pouco conhecida a forma de sucessão no Ndongo,
mas algumas suposições, a partir das fontes escritas e orais, apontam indícios de como era
Revista Científica do ISCED - Huíla, Lubango, v. 2, n.2, p. 81-97, Jul./ Dez., 2021.
Revista Científica do ISCED-Huíla
Copyright © 2024. Instituto Superior de Ciências da Educação da Huíla
87
essa prática. Contudo, a decisão sobre quem deveria suceder ao Ngola dependia muito dos
conselheiros, da aceitação dos ngangas e dos sobas.
No movediço mundo das linhagens e dos detentores de títulos, hierarquicamente mais
próximos do Ngola, havia tendências diferenciadas, quanto a ocupação do cargo por Njinga.
Os portugueses não aceitavam a ideia da ascensão de Njinga ao título máximo. Pelo
desenrolar dos acontecimentos, sabe-se que os interesses em jogo eram muitos e as versões
dos fatos deixaram narrativas muito tendenciosas. As intervenções portuguesas, por
exemplo, na sucessão do Ndongo, nesta época, são explicitas e acabavam por atribuir ações
“diabólicas” à Njinga, porque, segundo essas fontes, na escalada pelo poder, ela teria matado
o seu sobrinho como forma de eliminar o provável herdeiro ao título de Ngola, que fora
indicado pelo seu falecido irmão. No entanto, uma grande trama era tecida por trás dessa
acusação, que envolvia os interesses de vários personagens, o governador, o capitão do forte
de Massagano e o Jaga Kasa, este último tinha a guarda do sobrinho, todos decididos a não
entregar o menino a Njinga. Segundo os relatos, ela teria forjado um casamento com o Jaga
Kasa e teve acesso ao menino para matá-lo (Cadornega, 1972: tomo 1, ; Cavazzi, Mss.,
Araldi, 1687, L. 2, cap. 1, 16. Heintze, 1985).
Os registros deixados pelos portugueses afirmam também que não havia precedente
na tradição mbundu de uma mulher receber o título de Ngola e esse foi um dos argumentos
mais conhecido contra Njinga ocupar o cargo máximo no Ndongo. O governador Fernão de
Sousa (1624-1630) registrou que ela não podia ocupar o cargo “por não governar este reino
[uma] mulher” (Brásio, 1956; Freudenthal & Pantoja, 2011). Esse argumento tem provocado
grande debate na construção da trajetória da rainha. As análises sobre o governo de Njinga
problematizam a questão da ilegitimidade na ocupação do cargo, atribuída a ausência de
precedente entre os mbundus de uma mulher nessa posição de governo. Nesse debate foram
analisadas as disputas entre as linhagens pelo poder, considerando o confronto nas relações
com os portugueses (Miller,1975; Thornton,1991). Na década de 1980, o tema foi
reintroduzido com a ponderação de que os testemunhos dos portugueses devem ser lidos
com maior acuidade porque Nzinga era a grande inimiga e enorme empecilho à ocupação,
não sendo nada fácil tê-la como interlocutora nas transações.
A certeza era de que as autoridades portuguesas não queriam o seu governo, visto
como um entrave nas rotas comerciais e na intenção de tornar Ndongo tributário da Coroa
Revista Científica do ISCED - Huíla, Lubango, v. 2, n.2, p. 81-97, Jul./ Dez., 2021.
Revista Científica do ISCED-Huíla
Copyright © 2024. Instituto Superior de Ciências da Educação da Huíla
88
portuguesa. Nesta perspectiva, entende-se que construíssem argumentos contrários à posse
de Njinga a Mbande. Pode-se acrescentar ainda que, as tradições orais tendem a ressaltar a
existência e importância de figuras femininas, como titulares, nas muitas instituições dos
povos desta região da África. No próprio Ndongo, as mulheres participavam da vida política,
enquanto filhas e mães do grupo de lideranças das linhagens e dos titulares, exemplificado
no grande número delas na participação, tanto das guerras, como responsáveis pelos rituais
e alimentos, quanto das unidades do exército como combatentes e na formação de guarda da
rainha. Contudo é sabido que foi a partir de Njinga que essa presença das mulheres ganhou
maior evidência quando algumas foram elevadas ao estatuto de sobas e embaixadoras
(Skidmore-Hess, 1995).
Todos esses novos papéis femininos devem ser indicadores relevantes para o
entendimento da constituição das identidades de gênero nessas outras concepções
definidoras dos espaços, nos quais as mulheres podem ser excluídas ou não na sociedade
Mbundu. No que diz respeito ao ocidente, as feministas africanas apontam que nas culturas
do continente existem diferentes organizações familiares, sendo preciso conceitualmente
estender os limites da categoria de gênero
10
. Quando consideram a noção de gênero, essas
feministas destacam as especificidades no contexto de sociedades linhageiras e de famílias
extensas fatores de grande relevância para o debate. Elas criticam o caráter universalista da
categoria gênero e o fato de que os marcadores de gênero não devem corresponder
exatamente às polaridades vivenciadas historicamente em sociedades ocidentais modernas,
ou do Norte.
Njinga fora do Ndongo
Em 1624, Njinga iniciou esforços para o reatamento das conversações do acordo de
paz e a retirada do forte de Ambaca, como tinha sido acordado em 1622 - fato que os
portugueses nunca cumpriram. Desta época, datam as constantes cartas de Njinga ao
governador, dizendo da necessidade de remover o forte Ambaca do seu território e disposta
a atender as exigências de Luanda de abrir as rotas de comércio (Parreira, 1989). Apesar de
10
Como exemplo cito textos mais conhecidos, alguns já considerados pioneiros: Mama, 2019 e 2011. Mama,
n. 22 (s.d). Pereira, 2017. Oyêwúmí, 2017, 2011, 2002. Amadiume, 2006: 26-28 e 1987. Achebe, 2011. Arnfred
et al., 2004, pp. 1-8. Embora essas obras não foquem a sociedade Mbundu, os debates fornecem poderosos
instrumentos analíticos para pensar criticamente as dinâmicas próprias das sociedades africanas e os espaços
das relações de gênero.
Revista Científica do ISCED - Huíla, Lubango, v. 2, n.2, p. 81-97, Jul./ Dez., 2021.
Revista Científica do ISCED-Huíla
Copyright © 2024. Instituto Superior de Ciências da Educação da Huíla
89
sua aparente atitude conciliatória, em 1626, o governador de Luanda, na sua correspondência
com o rei português informava que “Dona Ana continua a colocar a conquista da região em
perigo”. De Luanda foi feita uma proposta de acordo à Njinga que incluía dentre outros: a
entrega dos escravos e sobas fugidos, retorno ao cristianismo com aceitação dos missionários
e que o Ndongo pagasse tributo ao rei de Portugal. Njinga negou tal acordo e fortalecida
com o apoio dos sobas e escravos fugidos do controle português, deu combate a área do soba
Hari a Kilwanji, de um local chamado Pungo Ndongo, pertencente a uma linhagem
opositora, dos Ngola-a-kilwanji.
A partir de 1624, os portugueses fortaleceram a aliança com o soba Hari e
canalizaram todos os esforços do exército na caça à Njinga Mbande, apesar da intensa
perseguição, ela conseguiu fugir e refugiar-se nas ilhas do rio Kwanza. Os portugueses
tentavam abrir os mercados novamente e decidiam dar combate e vencer Njinga e se
perguntavam o que fazer com o Ndongo.
O governador Fernão de Sousa começou a divulgar que o soba Hari a Kilwanji seria
o legitimo herdeiro ao cargo de Ngola. Dessa fase consta uma série de guerras, com batalhas
desastrosas para a população que acabou por devastar o Ndongo. O soba Hari, auxiliado
pelos portugueses, chega a condição de Ngola, apesar da grande hostilidade e rebelião por
parte das populações do Ndongo, que alegavam ser ilegítimo o governante que não
pertencesse a linhagem dos Ngolas, mesmo assim, ele foi imposto como o novo soberano.
Em 12 de outubro de 1626, o Ngola Hari a Kilwanji assinou o acordo em que se comprometia
pagar tributo às autoridades portuguesas (Freudenthal, & Pantoja, 2011). Foi o fim da
autonomia do reino do Ndongo, mas não da trajetória da rebelde rainha Njinga.
Njinga anos antes, fizera alianças com alguns grupos Imbangalas como alternativa
na luta contra os portugueses. Desde 1625 que sobas e escravos fugiam da área de influência
portuguesa e acabavam por engrossar as tropas da rainha. Naquele momento, a preocupação
fundamental dos portugueses eram os sobas rebelados, portanto sem pagamento dos tributos
e em grande quantidade se juntavam à força militar de Nzinga. A partir da sua fortificação
nas ilhas do Kwanza, a rainha mbundu recebia os escravos fugidos dos portugueses
contribuindo para manter o bloqueio do fluxo dos negócios em direção ao porto de Luanda.
Nas ilhas, Njinga fortalecida fazia vários ataques a Hari a Kilwanji, que, por sua vez,
denunciava-os ao governador e pedia proteção. Em 1627, o governador preparou uma
Revista Científica do ISCED - Huíla, Lubango, v. 2, n.2, p. 81-97, Jul./ Dez., 2021.
Revista Científica do ISCED-Huíla
Copyright © 2024. Instituto Superior de Ciências da Educação da Huíla
90
especial força militar para socorrer a Hari a kilwanji e destruir a fortificação de Njinga,
porém a guerra continuou por um ano e Njinga não foi capturada, fortificando-se ainda mais
nas ilhas do Kwanza. O combate à Njinga prosseguiu pelo ano de 1629 e, nessa perseguição,
não prenderam a rainha, mas aprisionaram as suas duas irmãs que, ficarão longos anos em
poder dos portugueses. Ambas foram batizadas, uma Nfungi (Quinfuge), de nome cristão
Engracia, Dona Graça, a outra, por nome Nkambo (Kambo), batizada de Bárbara. “Após a
captura, Kambu, Fungi, Kiloge tia de Njinga e onze sobas e makotas foram levados para
Luanda atravessando o Ndongo e desfilaram nus pelos caminhos” (Heywood, 2017). Para o
governador, as irmãs da rainha seriam um meio troféu, faltava o que nunca viriam a
conseguir, capturar Njinga. Depois de uma audaciosa fuga, incluindo a espetacular descida
por cordas pelos penhascos, Njinga fez aliança com o chefe Imbangala, ‘casando-secom
Kasanje da Matamba e se aproximou dos rituais da soberana mítica Temba a Ndumbe.
Os Quilombos da rainha a Matamba
A década de 1630 inaugura nova fase da trajetória da rainha, apresentando ainda em
comum com a situação anterior, o fato de que ela continuava a ser o grande entrave para o
fluir do comércio português entre sertão-mar e a intenção deles de dominar a população
mbundu. A sombra do poder de Njinga cobria a região e permanecia: a rebelião dos sobas e
makotas, negando-se a pagar tributo aos portugueses e o malogro da conversão ao
cristianismo, empoderando assim os ngangas. Todos esses fatos sinalizavam o fracasso de
itens fundantes do costumeiro acordo imposto pelos portugueses aos mbundus. A partir de
então, Njinga adotou os rituais e modos de vida Imbangalas e suas populações guerreiros;
com estruturas diferentes das linhagens dos Mbundus, com modo de vida itinerante, com
instituições baseadas nos quilombos
11
. Uma série de normas, conhecidas como Yjila foram
consideradas os rituais mais impactantes. Eles foram descritos pelas fontes do século XVII
e imputados à uma ancestral fundadora, que teriam sido depois restaurados pela figura mítica
feminina Temba a Ndumbe. As Yijila regulavam as ações proibitivas dos membros dos
kilombos, obrigavam também ao cumprimento de certos rituais de guerras.
11
Para uma comparação da organização social e política entre Mbundus e Imbangalas ver Miller, 1995: 210-
211; 1973. Heintze, 1985. Heintze, 2007. Coelho, 2010. Conceição Neto, 2018: cap. 9, 173-198.
Revista Científica do ISCED - Huíla, Lubango, v. 2, n.2, p. 81-97, Jul./ Dez., 2021.
Revista Científica do ISCED-Huíla
Copyright © 2024. Instituto Superior de Ciências da Educação da Huíla
91
A partir da vulgarização dos textos de missionários, militares e administradores e
demais europeus que viveram nessa região africana, os povos Imbangalas ganharam, no
imaginário europeu cristão, extravagantes fantasias. Ao adotar os rituais e formas de governo
dos Imbangalas, a figura de Njinga foi assimilada a esses chamados componentes exóticos,
cruéis e selvagens. No contexto da conquista política, militar e cristã, a transição feita por
Njinga ao modo de vida Imbangala, foi contada essencialmente por três homens europeus:
dois missionários e um militar. Alguns temas considerados dos mais impactantes, têm sido
objeto do debate na construção da história de Njinga. Por exemplo, atribuir a ação de
canibalismo a esses povos, as práticas de comer carne humana cotidianamente, fato repetido
tantas vezes nas obras dos séculos seguintes que moldou a escrita e naturalizou as imagens
de violência e perversidade no governo exercido pela rainha
12
. Outros temas bastante
explorados, o sacrifício humano e o infanticídio, sabe-se hoje, que entre os Imbangalas não
era permitido o nascimento de crianças dentro dos kilombos, que os laços sociais se
estabeleciam entre guerreiros. Como os objetivos dos Imbangalas era romper os laços de
parentesco, crianças que nasciam dentro do kilombo, caso isso acontecesse, deveriam ser
mortas. Apesar da lei, de fato não significava que havia uma prática comum de assassinato
de crianças. Um quarto tema de grande impacto no mundo cristão, o chamado erotismo
exacerbado desses povos, ou o chamado comportamento libidinoso da rainha Njinga,
propagado nas obras seiscentistas, e especialmente em Cavazzi. De acordo com esses relatos,
Njinga tinha vários “concubinos”, uma espécie de poliandria e ela os obrigava a se vestirem
de mulheres e se auto intitulava de “rei”. Para alguns historiadores contemporâneos, trata-se
de uma inversão dos papéis sociais, necessário para legitimar seu poder; enquanto para
outros, fazia parte de um uso inovador de gênero
13
. Esses temas circularam à exaustão, como
práticas atribuídas ao nome da rainha ao longo dos séculos.
A conciliação entre Luanda e Matamba
12
Ver o debate da historiografia sobre o tema, dentre outros em: Thornton, 2003: 273-294. Henriques, 2004:
225-244. Heintze, 2006: 216-22.
13
Ver essas diferentes posições dos autores em: Thornton, 1991. Skidmore-Hess,1995, pp. 310-315. Parreira,
2003, pp. 125-129. Wieser, 2017, pp. 31-53. Paredes, 2015, pp. 109- 119.
Revista Científica do ISCED - Huíla, Lubango, v. 2, n.2, p. 81-97, Jul./ Dez., 2021.
Revista Científica do ISCED-Huíla
Copyright © 2024. Instituto Superior de Ciências da Educação da Huíla
92
Fernão de Sousa, desde do início do seu governo, junho de 1624, teve que dar
combate a uma outra força inimiga dos portugueses, os holandeses, que começou a aportar
em pontos do litoral da região da África Central Ocidental. A presença holandesa em Luanda
se explica pelo contexto europeu e atlântico: no período de 1580-1640, as Coroas portuguesa
e espanhola estiveram unidas e na guerra contra o reino espanhol católico, os holandeses
atacaram a colônia portuguesa na América do Sul Brasil - produtora de açúcar com trabalho
escravo africano. Para manter a produção açucareira no nordeste brasileiro, os holandeses
precisavam liberar o fluxo de mão de obra escrava que chegava de Luanda, região dominada
pelos portugueses. No governo de Pedro César de Menezes (1639-1645), esses inimigos
dominaram a cidade de Luanda (1641), os portugueses refugiaram-se em fortes mais para o
interior e os holandeses tiveram a adesão das principais forças africanas da região da África
Central Ocidental. Os holandeses, que “invadiram os invasores” (Pacavira, 1978: 164),
provocaram o momento de maior coligação que uniu o Kongo, os Dembos, os sobados da
Kissama, Matamba e chefias rebeldes do Ndongo. Em 1642, o poder da rainha, a partir da
Matamba, foi ampliado a tal dimensão que ela era poderosa nas regiões tradicionalmente
rebeldes, como os famosos Dembos, enquanto os portugueses estavam confinados a quatro
fortes do interior e a algumas ilhas do Kwanza. Na posição de aliada, Njinga mantinha as
rotas comerciais e feiras abertas, fornecendo produtos vários e escravos aos holandeses.
O ano seguinte inicia o retrocesso dessa configuração, com algumas concessões feitas
pelos holandeses aos portugueses na região e, mesmo assim, o crescente poder de Njinga
assustava os portugueses e jogava algumas sombras aos olhos dos aliados holandeses,
congoleses e outros. O governador Francisco de Sotomaior (1645-16) foi nomeado com a
missão de banir a rainha Njinga. Com um dos maiores exércitos na região na época,
Sotomaior destruiu o quilombo de Njinga na área dos Dembos. Apesar de tudo, ela
reconstruiu um novo kilombo e avançava no seu poderio, sendo contida apenas em 1648,
com a chegada do novo governador, Salvador Correia de Sá, (1648-1651), vindo do Brasil.
A rendição e saída dos holandeses da região selou outra etapa da trajetória de Njinga,
significando a era do acordo, na luta por manter parte do Ndongo e do seu território na
Matamba. Com suas habilidosas manobras políticas e a mediação dos capuchinhos,
conseguiu a libertação da sua irmã Kambo, em outubro de 1656 assinou o acordo de paz com
os portugueses. Njinga assinalou um ponto crucial para aceitação do acordo, de que nunca
pagaria tributo aos portugueses: “Quanto, então, pagar o tributo, que vocês pretendem, isso
Revista Científica do ISCED - Huíla, Lubango, v. 2, n.2, p. 81-97, Jul./ Dez., 2021.
Revista Científica do ISCED-Huíla
Copyright © 2024. Instituto Superior de Ciências da Educação da Huíla
93
está fora de qualquer razão, porque sendo eu nascida para comandar em meu reino, eu não
tenho que obedecer, nem reconhecer outro soberano” (Gaeta, 1669). Foi também pela
intermediação dos missionários que Njinga conseguiu o reconhecimento diplomático do
Vaticano, o que ajudou a abrandar os confrontos com os portugueses. A conciliação entre
Matamba e Luanda traduziu-se na sua aceitação ao catolicismo, simbolizado nos rituais
cristãos de seu casamento, aos 75 anos de idade. No final, manteve-se senhora da Matamba
e de mais amplos territórios de importância econômica para a região da África Central
Ocidental, foi considerável o aumento do número de escravos que saiam da Matamba para
o Brasil e Antilhas (Parreira, 1989). A rainha Njinga morreu em 17 de setembro de 1663 e,
apesar de todas as manobras dos cristãos, teve um funeral nos moldes dos povos da
Matamba.
Driblando a “Biblioteca Colonial”
A década de 1970 foi promissora no retorno da figura de Njinga nas obras dos
historiadores. Apenas uma breve indicação da produção sobre o tema será listada aqui. Em
1975, o historiador Miller apresenta uma nova perspectiva das interpretações sobre a rainha
e, em tom de revisão, toca nos pontos mais polêmicos, da ilegitimidade/linhagens, da história
de Njinga (Miller, 1975). Uma interpretação dessa soberana africana, aparece na década de
1980, na linha das construções identitárias. O percurso de Njinga é considerado como a
continuidade do movimento de resistência, como o primeiro nacionalismo da região, fazendo
o elo com o movimento de independência na moderna Angola, em 1975 (Glasgow,1982).
Em 1985, o tema da legitimidade/precedente de governo feminino no Ndongo foi
reintroduzido por Heintze e mais tarde, dois historiadores, Parreira, 1989 e Thornton, 1991,
retomam e ampliam, a questão apontada por Miller, sobre legitimidade/usurpação. Em 1995,
Skidmore-Hess aborda a trajetória de Njinga do prisma das relações de gênero, conceituando
de inovador o uso na governança da rainha africana, diferenciou-a de todas outras formas de
governo nessa região da África, sua definição de gênero foi conforme os seus ‘três reinos’,
Ndongo, Matamba e a Cristã Matamba, incorporando várias identidades na sua imagem
pública. Obras atuais têm buscado outros ângulos frente a tensão entre o comportamento
sexual de Njinga e o papel das mulheres nas estruturas do Ndongo e Matamba. Os enfoques
têm enfatizado a noção de flexibilidade e complexibilidade de hierarquias de gênero entre
os povos dessa região e com a preocupação em procurar as perspectivas mbundo nas batalhas
e suas controversas marcadas por visões estereotipadas, faz parte do olhar contemporâneo,
estudar o percurso da rainha a partir da sua imagem e representação (Wieser, 2017,;
Revista Científica do ISCED - Huíla, Lubango, v. 2, n.2, p. 81-97, Jul./ Dez., 2021.
Revista Científica do ISCED-Huíla
Copyright © 2024. Instituto Superior de Ciências da Educação da Huíla
94
Heywood, 2017; Pantoja, 2016, ; Pinto, 2017) . Contudo cabe assinalar, um intenso e extenso
estudo de Heywood, 2017, abrangendo desde os primórdios do Ndongo até a morte da
Njinga, envolvendo um número extraordinário de diversificadas fontes e relatando fatos e
ações, ainda pouco conhecidos pelos estudiosos, enriquecendo a trajetória da rainha.
Enquanto a historiografia busca perspectiva revisionista da leitura das fontes, na
dificuldade em apreender sua contraditória personalidade histórica, no campo das análises
literárias e construções imagéticos, a produção sobre a rainha alcança maior desenvoltura
(Graile, 2016; Wieser, 2017; Waldeman, 2016). O movimento mais visível tem sido o
diálogo entre os campos da História, Literatura, Linguística, Cinema, Artes Plásticas. Nesse
sentido, tem se mostrado prodiga a produção de textos que relacionam passado, presente e
memória, na interpretação do nacionalismo e na apreensão de uma Njinga transatlântica.
Então, a rainha tem sido pretexto, numa referência entre textos, para leituras críticas diante
das condições em que vivem os seus descendentes.
Referências Bibliográficas
Achebe, Nwando, (2011). The Female King of colonial Nigeria: Ahebi Ugbabe.
Bloomington, Indiana University Press.
Almeida, Carlos. (2017). Ajustar “a Forma do Viver Cristão”: Missão Católica e
Resistências em Terras Africanas. Cadernos de Estudos Africanos. n.33, 59-80.
Amadiume, I., (2006). Sexuality, African Religio-Cultural Traditions and Modernity:
Expanding the Lens. Codesria Bulletin, n.1-2, 26-28.
www.arsrc.org/downloads/features/amadiume.pdf (acessado em 10 fevereiro 2018).
Amadiume, Ifi. (1987). Male Daughters, Female Husbands: Gender and Sex in an African
Society. London, Zed Publications.
Arnfred, Signe. et al., (2004) African Gender Scholarship: Concepts, Methodologies and
Paradigms. CODESRIA Gender Series, vol. 1, Dakar, Codesria.
Birmingham, David., (1965). The Date and Significance of the Imbangala Invasion of
Angola. The Journal of African History, vol.6, n. 2.
Bontinck, François., (1980). Un mausolée pour les Jaga (Mausoleum for the Jaga). Cahiers
d'Études Africaines, vol. 20, n. 79.
Brásio, Antonio., (org.) (1956). Monumenta Missionária Africana: África Ocidental. 15
volumes, Lisboa, Agência Geral de Ultramar.
Cadornega, António de Oliveira de., (1972) História Geral das Guerras Angolanas (1680), 3
tomos, Lisboa, Agência Ultramar.
Cavazzi, Giovanni Antonio., (1687). Missione evangelica al Regno del Congo. 3 vol: A,
B,C, Modena, Manuscrito Araldi. http://www.bu.edu/afam/faculty/john-
thornton/john-thorntons-african-texts/ (acessado em 12 dezembro de 2018)
Revista Científica do ISCED - Huíla, Lubango, v. 2, n.2, p. 81-97, Jul./ Dez., 2021.
Revista Científica do ISCED-Huíla
Copyright © 2024. Instituto Superior de Ciências da Educação da Huíla
95
Coelho, Virgílio., (1994). Algumas Implicações Sócio-Económicas e Religiosas numa
Comunidade Kímbùndù: os Akwándòndò do Baixo Vale do Kwànzà. Atas do III
Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, Dinâmicas Multiculturais,
Novas Faces Outros Olhares, Lisboa, ICSUL.
Coelho, Virgílio., (2010). Em busca de Kábàsà! estudos e reflexões sobre o "Reino" do
Ndòngo contribuições para a história de Angola. Luanda, Kilombelombe.
Coelho, Virgílio., (1997). Em Busca de Kábàsà: uma Tentativa de Explicação da Estrutura
Política-Administrativa do “Reino de Ndongo. Actas do Seminário Encontro de
povos e culturas em Angola, Lisboa, CNCDP, 443-477.
Conceição Neto, Maria da., (2018). Outros Quilombos: uma viagem por diferentes tempo e
lugares de Angola. Leituras Cruzadas sobe angola e Brasil. Identidade, memória,
direitos e valores, coord. Paulo de Carvalho, SP. Paco, 173-198.
Felner, Alfredo de Albuquerque., (1933). Doc. 43, s/d, em Angola: Apontamentos Sobre a
Ocupação e Inicio do Estabelecimento dos Portugueses no Congo, Angola e
Benguela. Coimbra, Imprensa da Universidade.
Freudenthal, Aida., & Pantoja, Selma., (2011). (Coord. e ed. crítica), Livro dos
Baculamentos que os sobas deste Reino de Angola pagam a sua Majestade, 1630.
Lisboa, Mercado das Letras/Ministério da Cultura de Angola.
Fromomt, Cecille., (2017). Foreign cloth, local habits: clothing, Regalia, and the Art of
Conversion in the Early Modern Kingdom of Kongo. Anais do Museu Paulista,
vol.25, n.2 mai-ago.
Gaeta, Antonio da., & Gioia, Francisco., (1669). La Meravigliosa Conversione alla Santa
fede di Cristo della Regina Singa, e del suo Regno di Matamba nell’Africa
Meridionale. Descrita com historico stile dal P.F. Francesco Maria Gioia da
Napoli ,Napoli, Giacinto Passaro.
Glasgow, Roy, (1982). Nzinga, São Paulo: Perspectiva, 177-78.
Graille, Patrick (2016). La Reine d´Angola em France d´hier á aujourd´hui, (Coord,) Selma
Pantoja, Edvaldo Bergamo e Ana Claudia da Silva. Angola e as Angolanas. Memória,
Sociedade e Cultura, São Paulo: Intermeios.
Heintze, B., (2007). Angola nos séculos XVI e XVII. Luanda, Kilombelombe.
Heintze, Beatrix., (1985). Fontes para a História de Angola do século XVII. Stuttgart, Verlag
Wiesbaden GMBH.
Heintze, Beatrix., (2006). Contra as teorias simplificadoras: o ‘canibalismo’ na antropologia
e história de Angola. Portugal não é um país pequeno: contar o império na pós-
colonialidade. (Coord.) Margarida Ribeiro Sanches, Lisboa: Livros Cotovia, 216-22.
Henriques, Isabel Castro., (2004). A Invenção da Antropofagia. Os Pilares da Diferença.
Relações Portugal-África, Séculos XV-XX, Lisboa, Caleidoscópio/Centro de
História, 225-244.
Heywood, Linda., (2017) Njinga of Angola: Africa´s warrior Queen. Cambridge, Havard
University Press.
Hilton, Anne., (1981). The Jaga Reconsidered. The Journal of African History, vol. 22, n. 2,
(1981).
Revista Científica do ISCED - Huíla, Lubango, v. 2, n.2, p. 81-97, Jul./ Dez., 2021.
Revista Científica do ISCED-Huíla
Copyright © 2024. Instituto Superior de Ciências da Educação da Huíla
96
Horton, Robin., (1990). La Tradition et la Modernité Revisitées. La pensée Métisse.
Croyances africaines et rationalité occidentale en questions, Genebra, Presses
Universitaires de France/Cahiers de L´IUED.
Mama, Amina., (2011). What does it Mean to do Feminist Research in African Contexts?
Feminist review conference proceedings, www.feminist-review.com (acessado em
16 de janeiro de 2019).
Mama, Amina., (2019). African Feminist Thought. African History, Women’ History,
Oxford Research Encyclopedia.
Mama, Amina., (s/d). The Power of Feminist Pan-African Intellect. Feminist Africa, n. 22.
Mbembe. Achille, (2013). África Insubmissa: Cristianismo, Poder e Estado na Sociedade
Pós-Colonial. Lisboa, Pedago/Mulemba.
Miller, Joseph., (1972). The Imbangala and the Chronology of Early Central African History.
The Journal of African History, vol. 13, n. 4.
Miller, Joseph., (1973). Requiem for the Jaga. Cahiers d'études africaines, vol. 13, n. 49.
Miller, Joseph., (1975). Nzinga of Matamba in a new perspective. Journal of African
History, vol. 16, 2.
Miller, Joseph, (1976). Kings and Kinsmen: early States among the Mbundu of Angola.
Oxford, Clarendon Press.
Mudimbe, Valentin., (1994). The Idea of Africa. Londres, Indiana University Press.
Oyêwùmí, Oyeronké., (2002). Conceptualizing Gender: The Eurocentric Foundations of
Feminist Concepts and the challenge of African Epistemologies. Journal of culture
and African woman studies, vol.2, n.1.
Oyêwùmí, Oyeronké., (2011). Gender epistemologies in Africa: gendering traditions,
spaces, social institutions and identities, Nova Yorque, Palgrave Mcmillian.
Oyêwúmí, Oyeronké., (2017). La Invención de las Mujeres: Una perspectiva africana sobre
los discursos occidentales del género. Colombia, En la Frontera.
Pacavira, Manoel Pedro, (1978), Nzinga Mbandi (Lisboa: Edições 70.
Pantoja, Selma, (2000). Nzinga Mbandi: Mulher, Guerra e Escravidão. Brasília, Thesaurus.
Pantoja, Selma, (2016). Historiografia Africana e os Ventos do Sul: Desenvolvimento e
História, n.8, dez, Rio de Janeiro: Revista TransVersos.
Paredes, Margarida., (2015). Mulheres heroicas: Njinga Mbandi e Deolinda Rodrigues,
masculinidades femininas como estratégias de resistência. Combater Duas Vezes,
Mulheres na Luta Armada em Angola, Portugal, Verso da História, 109- 119.
Parreira, Adriano, (1989). Economia e Sociedade em Angola. Na época da rainha Jinga,
século XVII. Lisboa, Estampa.
Parreira, Adriano, (2003). O estigma da promiscuidade sexual,” in A Máquina de Dúvidas,
O conceito de Negro na literatura de viagens sobre Angola, Século XVII (Luanda:
Kalunga, 125-129.
Pereira, Charmaine, (2017). Feminist Organising- Strategy, Voice, Power. Cape Town,
African Gender Institute.
Revista Científica do ISCED - Huíla, Lubango, v. 2, n.2, p. 81-97, Jul./ Dez., 2021.
Revista Científica do ISCED-Huíla
Copyright © 2024. Instituto Superior de Ciências da Educação da Huíla
97
Pinto, Alberto Oliveira (2017). Representações culturais da Rainha Njinga Mbandi (c. 1582-
1663) no discurso colonial e no discurso nacionalista angolano. Imaginários da
História Cultural de Angola. Luanda: INIC.
Skidmore-Hess, Cathy Jean., (1995). Queen Njinga, 1582-1663: Ritual, Power and Gender
in the Life of a Pre-Colonial African Ruler (Angola), Madison, University of
Wisconsin.
Sousa, Paulo Jorge de, (2000). Em Torno de um Problema de Identidade: Os ‘Jagas’ na
História do Congo e de Angola. Mare Liberum, n. 18-19, 193-246.
Thornton, John, (1978). A Resurrection for the Jaga. Cahiers d'Études Africaines, vol. 18,
n. 69/70.
Thornton, John, (1991). Legiimacy and Political Power: Queen Njinga, 1624-1663. Journal
of African History, vol. 32, 25-40. J.
Thornton, John, (2003). Cannibals, Witches, and Slave Traders in the Atlantic World. The
William and Mary Quarterly, vol. 60, n. 2, 273-294.
Vansina, Jan., (1965). Les Anciens Royaumes de la Savane : les États des Savanes
Méridionales de l´Afrique Centrale des Origines à l´Occupation Coloniale.
Léopoldville, Institut de recherches économiques et sociales.
Vansina, Jan, (1966). More on the Invasions of Kongo and Angola by the Jaga and the
Lunda,” The Journal of African History, vol. 7, n. 3.
Vansina, Jan, (2004). How Societies are Born: Governance in West Africa before 1600.
Londres, University of Virginia Press.
Waldman, Mauricio, (2016). Retratos da Rainha Nzinga, Ginga de Memórias, Ginga de
Lutas, São Paulo: Kotev.
Wieser, Doris., (2017). A Rainha Njinga no Diálogo Sul-Atlântico: gênero, raça e
identidade. Iberoamericana, vol. 17, n. 16, 31-53.
Este artigo está licenciado sob a licença: Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International
License. Ao submeter o manuscrito o autor está ciente de que os direitos de autor passam para a Revista
Científica do ISCED-Huíla.
Recebido em 05 de Abril de 2023
Aceite em 18 de Julho de 2024