Análise Estrutural de Analogias Incluídas nos Manuais Escolares de Biologia do Ensino Secundário Geral no Tema “a Célula”

Structural Analysis of Analogies Included in General Secondary School Biology Textbooks on the Cell Theme

Antonio Costa Manuel[1]

Instituto Médio Politécnico da Lunda-Norte, Angola

antoniocosta.m@hotmail.com

Resumo

As analogias são um recurso de ensino, que pode ser útil para ensinar e aprender conceitos abstractos, quando apropriadamente usadas e compreendidas pelo aluno. Assim, as analogias são úteis para ensinar e aprender sobre a célula. Os autores de manuais escolares (ME) usam analogias na tentativa de promover a compreensão dos conceitos científicos pelos alunos. Todavia, a investigação sugere que os ME e os professores usam analogias de maneira acrítica ou mesmo inconsciente. Os resultados da análise evidenciaram que os ME incluem poucas analogias e algumas se encontram repetidas nos diferentes manuais. Além disso, as analogias analisadas estabelecem um número reduzido de correspondências entre o alvo e o análogo e algumas delas podem reforçar ou mesmo induzir concepções alternativas nos alunos.

Palavras chave: Analogias, manuais escolares, Biologia.

Abstract

Analogies are a teaching resource that can be useful to teach and learn abstract concepts given that it is appropriately used and understood by the learner. Therefore, analogies can be anticipated as being useful to teach and learn about the Cell. Textbook authors use analogies in an attempt to promoted students' understanding of science concepts. However, research suggests that textbooks as well as teachers use analogies uncritically or even unconsciously. Results analysis indicate that textbooks include few analogies and that the same analogy may appear in different textbooks. Besides, analogies presentation encompasses a reduced number of correspondences between the target and the analogue and some of them may reinforce or even induce students’ alternative conceptions.

Keywords: Analogies, school textbooks, Biology.

Introdução

Apesar do aumento e diversificação substancial que se vem registando nos meios de ensino, nas últimas décadas, o ME continua a ser o recurso didáctico mais utilizado nas escolas, nomeadamente, nas aulas de ciências (Leite et al., 2012), talvez por estar organizado de acordo com as orientações programáticas para um determinado ano de escolaridade e sintetizar as aprendizagens relevantes a serem realizadas pelos alunos (Ribeiro, 2016), segundo um modelo pedagógico considerado adequado para a formação dos alunos.

O manual escolar (ME) tem sido o primeiro contacto dos professores, servindo de guia quanto à planificação e informações sobre a estruturação da aula (Vaz, 2014; Ribeiro, 2016) e não só, a maioria dos professores prepara as suas aulas, baseando-se no ME (Ferraz & Terrazán, 2003). Assim, torna-se indiscutível o facto de que existe uma intrínseca relação entre os ME e o processo de ensino-aprendizagem, sendo que a existência de um faz complemento ao outro.

Pelo facto de a célula e os seus constituintes não serem directamente observáveis, muitos autores afirmam que esta pode, possivelmente, ser uma das razões pelas quais os alunos mantêm várias concepções alternativas sobre esse conceito de Biologia (Thielle & Treagust, 1992; Glynn, 2007; Gallon et al., 2017). Considerando que os manuais podem condicionar as práticas lectivas dos professores, de modo a facilitar a compreensão dos conceitos científicos difíceis por parte dos alunos, os autores de ME usam as analogias.

A presente investigação pretendeu analisar estruturalmente as analogias incluídas em manuais de Biologia do Ensino Secundário angolano no tema “a célula como unidade estrutural e funcional dos seres vivos” para averiguar a sua qualidade científica e pedagógica.

Complexidade conceitual em Biologia

A disciplina de Biologia abrange diversos conceitos de difícil compreensão, entre outros, por não terem referentes observáveis. A Biologia Celular e Molecular abrangem parte desses conceitos, que estão associados, por exemplo, aos fenómenos como a fotossíntese, a respiração celular e às estruturas como a célula, o sistema nervoso e o DNA.

A célula é um dos conceitos chave para a compreensão e organização dos conhecimentos relacionados com a Biologia. A sua abordagem é considerada como um dos temas de difícil compreensão pelos alunos nos diferentes níveis de escolaridade (Flores et al. (2003). Conforme McClean et al. (2017), os alunos fazem bastante esforço para visualizar as complexidades subjacentes aos processos moleculares e celulares. No entanto, estes problemas de compreensão devem-se ao facto de a célula e os conceitos a ela relacionados possuírem grande abstracção. Pedrancini et al. (2007) referem que a complexidade desta temática em combinação com a metodologia do ensino tradicional pode promover a fragmentação dos conteúdos, dificultando a aprendizagem da estrutura e fisiologia celular, consideradas como uma das características básicas dos seres vivos. Uma vez que o estudo da célula acontece desde os primeiros anos de escolaridade, a sua compreensão deve ser facilitada (Legey et al., 2012).

Entre possíveis estratégias didácticas para o ensino da célula, encontram-se as analogias (Glynn, 2007; Orgill & Bodner, 2005; Flores et al., 2003). Isto deve-se ao facto de as analogias possuírem correspondências entre dois domínios diferentes, sendo um deles familiar ao aluno, denominado por análogo e o outro, total ou parcialmente desconhecido, sendo denominado por alvo (Harrison & Treagust, 1993; Glynn, 1991; Duit, 1991).

Conceito de Analogia e sua Relação com os Conceitos de Metáfora e Modelo

A analogia é uma comparação entre estruturas de dois domínios de conhecimentos distintos (Duit, 1991; Glynn, 2008), apoiada em semelhanças ou num sistema de correspondências (Gentner, 1998).

Uma analogia é constituída por três partes. Os termos mais frequentes são: i) análogo (Glynn, 1991; Duit, 1991), fonte (Gentner, 1998), veículo (Nagem et al., 2001), âncora (Oliva et al., 2001), que servem para designar o fenómeno conhecido; ii) alvo (Nagem et al., 2001; Duit, 1991), base (Gentner, 1998), tópico (Duarte, 2005), que se referem ao fenómeno, total ou parcialmente, desconhecido pelo aluno; e iii) relação analógica (González, 2005), mapeamento (Gentner, 1998), correspondência analógica (Dagher, 1995), semelhanças e diferenças (Thielle & Treagust, 1992), que servem para designar a ligação entre o análogo e o alvo. No entanto, embora exista uma diversidade terminológica sobre o conceito de analogia, a versão mais consensual reconhece que a analogia envolve o estabelecimento de comparações entre um domínio já conhecido, o “análogo”, e outro domínio ainda desconhecido, o “alvo”. Nesta investigação, optou-se pelos termos: análogo, alvo e correspondências analógicas para estabelecer a ligação entre os dois domínios.

Um outro conceito, geralmente, relacionado e, por vezes, confundido com o conceito de analogia é o conceito de metáfora. A metáfora é uma expressão linguística na qual, uma parte da expressão é transferida de um domínio de aplicação (análogo) para um outro domínio de destino (alvo) (Bailer-Jones, 2009). Uma analogia pode ser distinguida da metáfora na medida em que na metáfora “A” é dita ser “B”, enquanto na analogia “A” é semelhante a “B”. Por exemplo, quando se refere que o aluno é uma “tábua rasa”, estamos a usar uma metáfora na qual se sugere que o aluno não tem conhecimento prévio das ciências antes de entrar em uma sala de aulas de ciências (Aubusson et al., 2006).

Quanto ao modelo, Glynn (1991) considera que é uma representação física de um objecto, evento ou ideia, que pode surgir de uma actividade mental. Assim, uma analogia é explorada para construir um modelo a partir de um determinado fenómeno (Sharma & Sharma, 2017).

Potencialidades e Limitações da Utilização de Analogias no Ensino das Ciências

É indiscutível que as analogias são ferramentas indispensáveis no ensino das ciências. De acordo com Duarte (2005), algumas das potencialidades mais apresentadas para defender a utilização de analogias no ensino das ciências são seguintes:

a) Activam o raciocínio analógico, organizam o pensamento, ajudam a desenvolver as capacidades cognitivas como a criatividade e a tomada de decisões;

b) Desenvolvem a compreensão dos fenómenos abstractos a partir de referências concretas, tornando o conhecimento científico mais atractivo e acessível e promovem o interesse dos alunos;

c) Podem promover a evolução ou a mudança conceptual;

d) Permitem detectar eventuais concepções alternativas dos alunos;

e) Permitem estudar os conceitos científicos abstractos e de difícil compreensão em termos mais familiares ligados ao dia-a-dia dos alunos.

f) Podem ser utilizadas para avaliar o conhecimento e a compreensão dos alunos.

Segundo Glynn (2008), as analogias são vistas como espada de dois gumes: elas podem promover a compreensão, mas também podem levar aos equívocos. Assim, vários autores (Duarte, 2005; Newton, 2012; Duit, 1991) referem que o uso de analogias, em contexto didáctico, pode apresentar vários riscos, pois:

a) a analogia pode ser apreendida como se fosse um conceito e dela serem apenas memorizados os pontos mais destacados e agradáveis, sem que o seu objectivo principal (relação entre os dois domínios) seja atingido;

b) o aluno pode não concretizar o raciocínio analógico necessário para a compreensão da analogia, ou seja, pode não entender a utilidade da analogia e, consequentemente, não perceber que o professor está a efectuar apenas uma comparação entre dois domínios;

c) a má compreensão das diferenças entre o alvo e o análogo pode gerar confusões e causar conceitos errados;

d) se as analogias não forem conhecidas pelo aluno e estiverem fora do seu contexto sócio-histórico, podem gerar problemas na sua compreensão;

e) o facto de uma analogia pronta e/ou desconhecida ser apresentada ao aluno pode gerar dificuldades de aceitabilidade;

f) o aluno pode desprezar as limitações da analogia e/ou centrar-se em detalhes que considera interessantes.

Apela-se que as analogias, utilizadas para explicar um determinado conceito, devem ser acessíveis aos alunos, pois, se elas não forem adequadas, podem causar equívocos e interpretações erróneas do conceito em estudo (Kepceoğlu & Karadeniz, 2017).

Alguns Estudos sobre a Inserção das Analogias nos Materiais de Ensino

Tomando como referência a importância da inclusão de analogias nos ME, vários estudos têm sido desenvolvidos por diversos autores para estudar a qualidade dessas analogias e/ou o modo como elas são apresentadas.

Ângelo e Duarte (1999) realizaram um estudo com 12 ME de Ciências da Natureza, do 6.º ano de escolaridade, portugueses, tendo constatado a presença de 223 analogias, sendo mais frequentes as do tipo “escrita verbal funcional” e do tipo “escrita verbal simples”.

Outro estudo, realizado por Tavares (2012), para analisar o modo como autores de 16 ME de Química, do 9.º e do 10.º anos, portugueses, utilizam analogias históricas a fim de abordar a Tabela Periódica, evidenciou que os autores de ME recorrem muito pouco às analogias para abordar aspectos históricos da Tabela Periódica, sem explorar, quer em termos de identificação de análogo, quer em termos de limitações, quer potencialidades.

No estudo realizado por Oliveira (2013) a 21 ME portugueses (12 de Ciências Naturais, do 7.º ano, 6 de Biologia/Geologia do 10.º e 11.º anos e 3 de Geologia), tendo como objectivo averiguar a diversidade, características e integração das analogias nesses ME, constata-se que cerca de 50% das 73 analogias detectadas se encontravam repetidas em vários ME e que cerca de 40% podiam induzir ou reforçar concepções alternativas.

Estes estudos mostram que os autores de ME pouco utilizam as analogias para explicar os assuntos complexos e/ou para os relacionar ao dia-a-dia dos alunos.

Metodologia

A população deste estudo é composta por três ME de Biologia, destinados ao Ensino Secundário, actualmente, em utilização nas escolas angolanas, editados pela Porto Editora, Editora das Letras e Texto Editores Lda-Angola, os quais abordam o tema sobre “a célula como unidade estrutural e funcional dos seres vivos”.

Os objectivos deste estudo proporcionaram a vantagem de trabalhar com todos os ME, pelo facto de o universo da população-alvo ser igual à amostra, o que é vantajoso, sobretudo, quando se pretende generalizar os resultados, evitando a ocorrência de possíveis erros de amostragem, nomeadamente, quando a amostra apresentar características diferentes da população em estudo (Gall et al, 2007).

Quadro 1: Lista de Manuais Escolares

Manual

Autores

Editora

Edição

M1

Piedade Silissoli Agostinho,

Afonso Miguel

Editora das Letras

2014

M2

Maria Milagre Freitas, Piedade Silissoli Agostinho, Maria António Joaquim, Maria Cristina Amaro Carvalho

Texto Editores, Lda. - Angola

2007

M3

Amparo Dias da Silva, Fernando Gramaxo, Maria Ermelinda Santos, Almira Fernandes Mesquita, Ludovina Baldaia

Porto Editora

2010

Adaptado de Oliveira (2013)

Técnica e instrumento de recolha de dados

A técnica aplicada foi a análise documental. De acordo com Bardin (2016), esta técnica consiste num conjunto de operações que visam analisar o conteúdo de um documento para facilitar o acesso à informação que ele apresenta. Assim sendo, as analogias identificadas foram analisadas com base numa grelha de análise, adaptada de Oliveira (2013), inicialmente propostas por Thiele e Treagust (1995). O objectivo desta análise foi o de avaliar a qualidade científica e didáctica das analogias. As grelhas utilizadas incluem as seguintes dimensões de análise: (i) tipo de analogia, (ii) nível de enriquecimento, (iii) forma de apresentação, (iv) integração nos ME, (vi) tipo de relação análoga e (v) correcção científica da analogia. Note-se que o recurso às grelhas de análise facilita a recolha de dados e reduz a subjectividade, oferecendo, assim, maior confiabilidade ao estudo (Lessard-Hébert et al., 2012).

Assim, para constatar as características das analogias analisadas em ME, apresenta-se no quadro 2, a dimensão “Grau de abstracção do domínio alvo e análogo”. Esta dimensão permitiu identificar se as analogias incluídas em ME apresentam nível cognitivo abstracto ou concreto.

Quadro 2: Grau de abstracção do domínio alvo e análogo

Subdimensão

Descrição

Concreto-concreto

Quando os conceitos relacionados ao domínio alvo e análogo são de natureza concreta.

Concreto-abstracto

Quando os conceitos relacionados ao domínio alvo são concretos, mas os conceitos relacionados ao domínio análogo são abstractos.

Abstracto-abstracto

Quando os conceitos relacionados ao domínio alvo e ao domínio análogo são de natureza abstracta.

Abstracto-concreto

Quando os conceitos relacionados ao domínio alvo são abstractos, mas os conceitos relacionados ao domínio análogo são concretos.

Fonte: Thiele e Treagust (1995)

Quanto ao “tipo de relação analógica”, as analogias foram classificadas em estrutural, funcional e estrutural-funcional. Esta dimensão permitiu identificar se os domínios alvo e análogo compartilham atributos estruturais, funcionais ou estruturais-funcionais (quadro 3).

Quadro 3: Tipo de relação analógica

Subdimensão

Descrição

Estrutural

Quando o alvo e o análogo apresentam a mesma aparência física, forma, tamanho ou estrutura geral similar aos dois domínios.

Funcional

Quando o alvo e o análogo compartilham comportamentos ou funcionamento similares.

Estrutural-funcional

Quando há combinação de relação estrutural e funcional entre o alvo e o análogo.

Fonte: Thiele e Treagust (1995)

Para a dimensão de análise “correcção da analogia”, elas foram classificadas em facilitadoras e em indutoras de concepções alternativas. Esta dimensão permitiu identificar se a analogia é potencialmente facilitadora da compreensão do alvo ou induz/reforça concepções alternativas nos alunos, tal como ilustra o quadro 4.

Quadro 4: Correcção da analogia

Subdimensão

Descrição

Facilitadora

Quando a analogia é potencialmente facilitadora da compreensão do alvo.

Indutora de concepções alternativas

Quando a analogia tem potencialidades de induzir/reforçar concepções alternativas no aluno.

Fonte: Thiele e Treagust (1995)

Quanto às “formas de apresentação”, nos ME, as analogias foram classificadas em verbal, pictórica e verbal-pictórica. Nesta dimensão, procurou-se identificar como as analogias se encontravam verbal ou visualmente representadas. No caso das analogias verbal-pictóricas, fez-se a análise da relação existente entre a imagem e o texto (quadro 5).

Quadro 5: Formas de apresentação da analogia

Formas de apresentação

Descrição

Verbal

Quando a analogia é apresentada por palavras.

Verbal- pictórica

Quando a analogia é apresentada por escrito e por imagem.

Pictórica

Quando a analogia é apresentada por imagem.

Fonte: Thiele e Treagust (1995)

Quanto ao nível de enriquecimento, as analogias foram classificadas em simples, enriquecidas e estendidas, isto é, de modo a inferir em que extensão o domínio alvo e o domínio análogo são apresentados pelo autor como simples, enriquecidas e estendidas (Quadro 6).

Quadro 6: Classificação das analogias quanto ao nível de enriquecimento

Subdimensão

Descrição

Simples

Quando há apenas uma correspondência que liga entre o alvo e análogo.

Enriquecida

Quando a comparação é feita com mais de uma correspondência.

Estendida

Quando a comparação é feita com múltiplas analogias e são mencionadas as limitações.

Fonte: Thiele e Treagust (1995)

As analogias foram subdivididas em duas categorias explicadas no quadro 7. Esta categorização tem como finalidade identificar se o autor refere ou não e discute as limitações das analogias apresentadas no ME.

Quadro 7: Classificação das analogias quanto às limitações

Limitações

Explicações

Referidas

Quando são apresentadas algumas limitações das analogias

Não referidas

Quando não são apresentadas as limitações das analogias

Fonte: Thiele e Treagust (1995)

As informações registadas na grelha foram analisadas de modo a inferir sobre a qualidade técnica, científica e pedagógica das analogias seleccionadas. Foi ainda efectuada uma comparação dos resultados das analogias presentes nos três manuais a fim de averiguar a existência de semelhanças ou diferenças entre eles.

Resultados

A análise dos manuais permitiu localizar nove (9) analogias no tema a célula, incluídas nos ME de Biologia, das quais uma (1) se encontra inserida no M2, duas (2) inserem-se no M1 e seis (6) no M3.

Algumas analogias relativas à superfície celular e junções intercelulares, enzimas e metabolismo celular, estudo do microscópio óptico, estrutura da célula eucariótica/célula procariótica: aspectos comparativos e outras nos assuntos sobre os sistemas membranares encontram-se repetidas nos ME e em algumas outras, vários análogos foram usados para explicar o mesmo alvo (quadro 10).

Quadro 10: Assuntos explicados com recurso às analogias N=9

Assunto

Analogia

ME/Pág.

Estudo do microscópio óptico

A1: “Pude perceber, com extraordinária clareza, que a cortiça é toda perfurada e porosa, assemelhando-se muito a um favo de mel. Além disso, esses poros ou células não eram muito fundos e, sim, constituídos por um grande número de pequenas caixas...

Hooke utilizou, na anterior descrição, o termo “célula” [pequena cela] para designar as pequenas cavidades que observou na cortiça. No entanto, analisando cortes de partes de plantas vivas, chegou à conclusão de que, em alguns casos, as células se encontram preenchidas por um líquido”.

M1, 12

Estrutura da célula eucariótica

A2: “as mitocôndrias são consideradas como verdadeiras centrais de energia, pois são responsáveis pela transformação da energia contida nos alimentos em energia metabólica (ATP)”.

M1, 38

Estrutura da célula eucariótica

A3: “em certas algas verdes filamentosas, os cloroplastos podem ter a forma de fita, forma estrelada, forma de ferradura e outras formas”.

M1, 46

Célula eucariótica e procariótica: aspectos comparativos

M3, 25

Sistemas membranares

A4: “em certas zonas (nos cloroplastos) as lamelas apresentam-se empilhadas, lembrando um conjunto de moedas sobrepostas. A cada uma dessas estruturas dá-se o nome de granum”.

M3, 65

Superfície celular e junções intercelulares

A5: “o glicocálice pode ainda funcionar como um cimento flexível entre células contíguas”.

M3, 70

A6: “compostos pécticos constituem um verdadeiro cimento que mantém coesas as células”.

M3, 71

A7: “as células do epitélio intestinal apresentam na superfície voltada para a cavidade numerosos microvilosidades, isto é, prolongamentos em forma de dedos de luva que aumentam grandemente a superfície de absorção”.

M3, 71

Enzimas e metabolismo celular

A8: (figura 2) “funcionamento de uma fechadura + chave com o funcionamento de uma enzima + substrato”

M2, 28

Enzimas e metabolismo celular

M3, 72

Enzimas e metabolismo celular

Analogia 9: “Por analogia, o substrato actua como a mão que, ao penetrar na luva, vai provocar a alteração da forma desta”.

M3, 81

Fonte: Adaptado de Oliveira (2013)

Das nove (9) analogias localizadas, verificou-se com maior predominância as analogias com seguintes características:

a) quanto à forma de apresentação, algumas encontram-se na forma verbal (A2, A3, A5, A6, A7, A9) outras na forma verbal-pictórica (A1, A4, A8);

b) quanto ao grau de abstração, oito (8) analogias apresentam o grau de abstracto-concreto, enquanto uma (1) foi classificada como concreta-concreta;

c) quanto tipo de relação analógica, três analogias são do tipo funcional (A2, A5, A6), outras do tipo estrutural (A1, A3, A4) e outras três analogias do tipo estrutural-funcional (A7, A8, A9), resultados semelhantes com o estudo apresentado por Santos (2011), onde foi verificado um total de 33 analogias do tipo estrutural, 12 do tipo funcional e 12 analogias do tipo estrutural-funcional nos ME pesquisados;

d) na correção da analogia, oito (8) foram classificadas como facilitadoras da compreensão do alvo, enquanto uma (1) foi considerada como potenciadora de induzir ou reforçar concepções alternativas nos alunos.

e) relativamente ao nível de enriquecimento das analogias, seis foram classificadas como enriquecidas, uma (1) do tipo estendida e outra do tipo simples (A5).

f) quanto às limitações das analogias, os resultados indicam que, na maioria dos casos, nenhuma referência foi feita sobre as limitações e os atributos das analogias não foram compartilhados.

Quadro 11: Características das analogias localizadas nos ME

Relações

Tipos de analogias

M1

M2

M3

Total

Quanto à forma de apresentação

Verbal

2

-

4

6

Pictórica

-

-

-

-

Verbal-Pictórica

-

1

2

3

Quanto ao grau de abstração

Abstrato/Concreto

1

1

6

8

Concreto/Concreto

1

-

-

1

Quanto ao tipo de relação analógica

Estruturais

1

-

2

3

Funcionais

1

-

2

3

Estruturais-Funcionais

-

1

2

3

Quanto à correcção da analogia

Facilitadoras

1

1

6

8

Indutoras de concepções de alternativas

-

1

-

1

Quanto ao nível de enriquecimento

Enriquecidas

1

1

4

6

Estendidas

1

-

1

2

Simples

-

-

1

1

Quanto às limitações

Referidas

-

-

-

-

Não referidas

-

-

-

-

Fonte: Elaboração própria

Discussão

A utilização de analogias nos ME implica muitos cuidados aos seus autores, porém, também aos professores quando procedem à sua utilização nas salas de aulas (Duarte, 2005). Assim, o presente estudo evidenciou algumas deficiências a nível da qualidade científica das analogias analisadas, bem como o número limitado das mesmas nos manuais.

De acordo com Glynn (2007) e Gonzáles (2005), toda a analogia, por melhor que seja, pode apresentar riscos. Assim, das analogias analisadas, verificou-se que algumas apresentam riscos que podem provocar concepções alternativas e, possivelmente, dificultar a compreensão do alvo nos alunos.

Os principais riscos verificados são: (i) o reduzido número de correspondências analógicas; (ii) analogias nas quais os aspectos negativos podem reforçar as concepções alternativas dos alunos no tema, a célula; (iii) analogias com explicações ambíguas ou incompletas do análogo o que poderá levar os alunos a abraçarem as suas ideias prévias para a compreensão do alvo e, como consequência, algumas correspondências inapropriadas poderão ser estabelecidas.

O facto de existirem analogias com aspectos negativos e com potencialidades de induzir ou reforçar concepções alternativas nos alunos mostra que os autores de manuais não conhecem as dificuldades que os alunos apresentam durante a aprendizagem de conteúdos de ciências e/ou não valorizam as suas ideias prévias (Monteiro & Justi, 2000).

Muitas vezes, as analogias empregues pelos autores de manuais não possuem qualidade científica, facto que tem contribuído para o reforço das concepções alternativas dos alunos. No manual M3 é apresentada uma analogia (A8) que faz referência ao modelo Fischer (chave-fechadura). Mediante uma análise cuidada, infere-se que esta analogia pode causar sérios prejuízos à aprendizagem dos alunos, tendo sido considerada como: (i) incoerente com a descrição analógica; (i) incoerente com a explicação do alvo; e (iii) apresenta relações analógicas incorretas. Para este efeito, a sua ilustração de imagem foi considerada desnecessária, pois, não representa o domínio alvo de forma adequada.

Em muitos casos, as analogias que parecem óbvias para os autores de ME, não parecem óbvias para os alunos, sendo este, um dos equívocos mais frequentes em autores menos experientes (Júnior, 2007).

Conclusões

Uma questão preocupante e que predomina em muitos manuais é a quase falta de discussões que façam referência à inclusão das limitações das analogias, sendo, na maioria dos casos, um factor ignorado pelos autores de ME (Santos, 2011).

Uma vez que as analogias podem ser interpretadas de maneira errada pelos alunos, sugere-se que os autores dos ME incluam as limitações das analogias de modo que estas possam ser debatidas na sala de aulas entre professores e alunos.

Assim sendo, é fundamental seguir as recomendações estabelecidas por Pedroso et. al. (2007) e Santos et. al. (2011) que podem ser benéficas para o uso futuro de qualquer analogia em ME: (i) Apresentar e caracterizar alvo e análogo; (ii)Estabelecer as diferenças e semelhanças entre os domínios alvo e análogo; (iii)Utilizar análogos familiares ao aluno; (iv)Deve-se evitar o uso de análogos que podem causar confusões, (v)Se usar analogias duplas, deve-se destacar ao máximo as caraterísticas mais relevantes do análogo; (vi)Devem-se utilizar analogias mais elaboradas, independentemente de serem verbais ou verbais-pictóricas.

Conceitos científicos considerados mais concretos podem ser bem esclarecidos quando explorados com analogias funcionais e/ou estruturais funcionais;

É preferível apresentar uma analogia de natureza concreta para atingir o alvo de natureza abstrata;

As analogias do tipo estruturais podem tornar-se mais explicativas quando estas são acompanhadas de figuras adequadas;

As analogias estendidas podem ser mais eficazes, pois ajudam o aluno na compreensão de conceitos e figuras de linguagem de maneira autónoma, com auxílio do próprio ME e, por vezes, sem necessitar da intervenção do professor. Todavia, é necessário que os autores de manuais façam não apenas as correspondências correctas entre o domínio alvo e o domínio análogo, mas também, especifiquem os motivos que os levam a efetuar tais comparações (Júnior, 2009). Por isso, o mais importante não é a inclusão de analogias em ME pelos autores, mas que estas sejam as mais adequadas para a aprendizagem dos alunos.

Referências bibliográficas

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Recebido em 05 de Julho de 2021

Aceite em 07 de Novembro de 2021

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  1. Mestre em Ciências da Educação. Especialidade de Supervisão Pedagógica.