Revista Científica do ISCED Huíla, Lubango, v. 1, n.1, p. 27-45, Jul./ Dez., 2020
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Universidade e Escola: Contribuições para o Diálogo
University And School: Contributions for Dialogue
Elison António Paim
1
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
elison0406@gmail.com
Solange Maria Envangelista Mendes Luís
2
Instituto Superior de Ciências de Educação da Huíla, Angola
luissolange@hotmail.com
Resumo
O presente artigo resulta de pequisa de pós-doutorado realizada no Instituto Superior de Ciências
de Educação da Huíla (Angola). Objectivamos identificar como experiências, memórias,
patrimônios e culturas locais são agenciados na produção dos saberes escolares a partir da
investigação do trabalho em instituições de educação básica em sete municípios da Província da
Huíla. Para a colecta das informações trabalhamos com documentos diversos, fotografias e
entrevistas orais com quinze professores(as). Teoricamente dialogamos com epistemologia
decolonial, interculturalidade, história oral, memória, patrimônio cultural e história local.
Apresentamos algumas narrativas sobre as necessidades de ajuda das universidades para com os
professores da educação sica. O artigo é composto por considerações iniciais sobre as funções da
universidade na contemporaneidade, decolonizar a universidade, aspectos históricos do ensino
universitário em Angola, sugestões dos professores para o diálogo com as universidades e
considerações finais.
Palavras-chave: decolonizar a universidade, relações universidade e escola, educação
universitária em Angola.
Abstract
This article results from a postdoctoral research, carried out at Higher Institute of Teacher
Education (ISCED-Lubango) in Angola. We aim at identifying how experiences, memories, heritage
and local cultures are managed to build formal knowledge by the research about work, in basic
school institutions, around seven Municipalities in Huila Province. For the data collection, we
worked with different documents, photographs, and oral interviews with fifteen teachers. As the
theoretical background, we used the concepts of decolonial epistemology, interculturality, oral
history, memory, cultural heritage and local history. We present some reports about the needs for
help by the universities, to basic school teachers. The article consists of background information
about the role of the university in contemporary education, restructuring the university, historical
aspects about university teaching in Angola as well as teachers’ suggestions on pedagogical
exchange with universities, and final considerations.
Keywords: decolonizing the university, university and school relations, university teaching in
Angola.
1
Doutor e Pós-doutor em Educação. Professor
2
Doutora em Literaturas dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Professora
Elison António Paim e Solange Maria Envangelista Mendes Luís
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Introdução
Em tempos de grandes mudanças sociais, políticas, econômicas, culturais,
de gênero e religiosas somos sistematicamente confrontados sobre o papel da
universidade: o que a universidade está fazendo, o que propõe, como poderá
contribuir, de forma mais incisiva, para o bem social. Muitas perguntas e pouca
atenção às nossas respostas em tempos de desvalorização dos conhecimentos
acadêmicos e hipervalorização das opiniões.
Nesse contexto, apresentamos alguns elementos para reflexão sobre o papel
das universidades, do nosso trabalho e das contribuições institucionais diante de
um mundo em mudanças.
Iniciaremos esta reflexão com a apresentação de algumas das novas
demandas que vêm sendo lançadas àsinstutições universitárias, de uma forma
generalizada. Num segundo momento, pontuamos aspectos históricos particulares
da universidade em Angola. Na sequência, trazemos as reivindicações de
professores da Educação Básicapara que a Universidade os ouça e com eles
dialogue, na perspectiva de auxiliar o desenvolvimento da educação angolana.
Como finalização, apontamos algumas perspectivas de atuação da universidade no
âmbito de possíveis acções de extensão universitária.
Historicamente, a universidade enquanto intituição desenvolveu-se e
organizou-se para atender às elites. Especialmente as universidades européias, em
seus diferentes modelos, fizeram-se pautar pela erudição e produção de
conhecimentos normatizados em princípios científicos. Mais recentemente, vêm se
consolidando perspectivas que procuram atender às necessidades do grande
mercado industrial e de capitais.
Com o processo de colonização e colonialidades (Mignolo, 2010) das terras
africanas e americanas, os modelos de universidade, quando permitidos, foram
imitando os modelos dos colonizadores e, portanto, foram criadas para atender aos
interesses metropolitanos.
Na contemporaneidade, as universidades angolanas e brasileiras vêm
assumindo certo protagonismo a se pensarem de forma mais autônoma em seus
princípios, organização e acções. O grande direccionador das ações das
universidades vem sendo pautado, em maior ou menor grau, pelo princípio da
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indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão universitária. Dessa forma,
para que uma instituição seja considerada universidade impõ-se a necessidade que
sejam desenvolvidas: Acções de ensino para formação de profissionais em
diferentes áreas do conhecimento visando atender às demandas do mercado de
trabalho; Acções de pesquisa para produção de novos conhecimentos em
diferentes áreas das chamadas humanidades, produção de equipamentos diversos,
novos medicamentos, equipamentos e técnicas de produção agropecuária dentre
tantas outras; Acções de extensão, quando a universidade sai do seu espaço e vai
ao encontro das necessidades das comunidades.
Calcada nesses princípios, a universidade vem se abrindo, em muitos casos
de forma forçada pelos movimentos sociais, para acolher, em seus espaços, novos
sujeitos e com isso novas acções vão sendo demandadas. Os movimentos sociais,
que em meio a exclusões, invisibilidades e silenciamentos, resistem e "forçam" a
universidade à abertura e a mudanças epistemológicas, em um contexto de
educação superior que mantém fortes traços de colonialidades que permaneceram
da experiência colonizadora e racial.
Esta perspectiva de construção de outras possibilidades para a universidade
vem sendo pensada por intelectuais como Boaventura de Souza Santos, a partir de
Portugal, enquanto que na América Latina se constituiu o grupo
Modernidade/colonialidade por pensadores como o sociólogo peruano Anibal
Quijano, o semiólogo argentino Walter Mignolo, a pedagoga equatoriana Catherine
Walsh, o porto riquenho Ramon Grosfoguel e, anterior a todos eles, o educador
brasileiro Paulo Freire. Em Angola destacamos aproximações do pensamento do
historiador Felipe Zau.
Embora existam, mundialmente, grupos contra-hegemónicos, a "abertura"
da universidade ocorre em contextos históricos de processos desenvolvidos, em
sua grande maioria, na lógica da integração e assimilação cultural, que perpetuam
a subalternização enquantonegam o modo de ser, saber e viver dos sujeitos.
Podemos afirmar que a universidade, de modo geral,configura-se como um lugar
de conhecimento baseado na colonialidade do poder/saber/ser sobre os povos
americanos e africanos.
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Decolonizar a universidade
Trazemos agora algumas das contribuições apresentadas pelo filósofo
colombiano Santiago Castro-Gómez, para decolonizar a universidade que, embora,
produza um pensamento localizado em contexto da América Latina, nos apresenta
ferramentas para pensar possibilidades outras para o fazer universitário
fundamentado, principalmente, nos conceitos de "la hybris del punto cero" e de
"diálogo de saberes".
De acordo com Castro-Gómez (2015), o olhar colonial sobre o mundo
obedece a um modelo epistêmico implantado pela modernidade ocidental, que ele
denomina de “la hybris del punto cero”. Para o autor, as universidades, tanto em
seu pensamento como em suas estruturas, se inscrevem na estrutura triangular da
colonialidade: a colonialidade do ser, a colonialidade do poder e a colonialidade do
saber.
Para a construção de suas ideias sobre a decolonização da universidade,
Castro-Gómez (2015) dialoga com Edgardo Lander, sobre o vínculo entre a
universidade latino-americana e a colonialidade do saber. De acordo com Lander,
as ciências sociais e as humanidades, ensinadas na maior parte das universidades,
reproduzem os paradigmas coloniais e reforçam a hegemonia cultural, econômica
e política do Ocidente.
Castro-Gómez (2015) também se apóia no diagnóstico realizado por Jean-
François Lyotard, no livro A condição s-moderna, precisamente na parte em
que Lyotard examina as duas versões do relato moderno de legitimação do saber e
os vínculos com sua institucionalização na universidade: o primeiro meta-relato é
o da educação do povo, segundo o qual a universidade é a instituição responsável
por prover o "povo" de conhecimentos que impulsionem o saber científico-
tecnológico da nação; e o segundo meta-relato diz respeito ao progresso moral da
humanidade, nesse contexto a função da universidade seria formar humanistas,
sujeitos capazes de "educar" moralmente o resto da sociedade.
Ambos os modelos favorecem a ideia de que os conhecimentos têm
hierarquias, especialidades, limites que marcam os campos de saber, fronteiras
epistêmicas e cânones que definem procedimentos e funções. Além disso, nos dois
modelos está presente a ideia da universidade como um lugar privilegiado de
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produção de conhecimento. Nas palavras de Castro-Gómez (2015, p. 71), “A
universidade é vistao só como o lugar onde se produz conhecimento que conduz
ao progresso material ou moral da sociedade, mas tambémcomo o núcleo vigilante
dessa legitimidade” como o lugar que estabelece as fronteiras entre o
conhecimento útil e inútil, entre a doxa e a episteme, entre o conhecimento
legítimo e ilegítimo. Desta forma, estes dois elementos em comum, pertencem às
heranças coloniais do conhecimento.
O modelo epistêmico da hybris del punto cero
3
, que hoje é hegemônico nas
universidades latino americanas, emerge quando se produz uma ruptura no modo
como a natureza era entendida. Se antes predominava uma visão orgânica do
mundo, em que a natureza, o homem e o conhecimento formavam parte de um
todo inter-relacionado, com a formação do sistema-mundo capitalista e com a
expansão colonial da Europa,esta visão orgânica ficou subalternizada, se impondo
aos poucos a ideia de que a natureza e o homem são âmbitos ontologicamente
separados, e que a função do conhecimento é exercer um controle racional sobre o
mundo.
De acordo com Castro-Gómez (2015) a universidade moderna incorpora a
hybris del punto ceroe esse modelo epismico se reflete na sua estrutura discipliria
e departamental. Uma disciplina recorta um âmbito do conhecimento e tra linhas
fronteiriças com respeito a outros âmbitos do conhecimento, construindo suas origens,
definindo temas que são pertinentes única e exclusivamente à esta disciplina; o que se
traduz na materialização dos nones. As disciplinas têm um plano que define quais
autores serão lidos, quais temas, e que conteúdos devem ser conhecidos por um
estudante. Os nones o dispositivos de poder que servem para fixar os
conhecimentos, fazendo-os facilmente identificáveis e manipuláveis. Os
departamentos manm-se distintos, aos quais pertencem os especialistas de cada uma
das disciplinas vinculadas à faculdade em questão, mantendo assim linhas fronteiras
entre as áreas de conhecimento.
A universidade, segundo Castro-mez (2015, p. 76) "se converte em uma
universidade corporativa, em uma empresa capitalista que o serve mais ao
progresso material da nação, nem ao progresso moral da humanidade, mas à
3
Em livro com o mesmo nome, o filósofo colombiano Santiago de Castro Gómez defende que quando os espanhóis
chegaram ao continente americano e, de forma mais específica no que é hoje a Colômbia, desconsideraram totalmente os
conhecimentos das populações nativas como se anos e anos de conhecimentos acumulados tivessem sido zerados.
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planetarização do capital". Essa subordinão aos poderes globais, altera a fuão da
universidade, do conhecimento e do papel do professor, que passam a produzir
conhecimentos performativos, capazes de gerar determinados efeitos de poder. Os
conhecimentosdeixam de ter um fim em si mesmo: o se pergunta mais pela
verdade, pergunta-se para que serve, se é possível vender, se é eficaz. Desse modo, os
professores universitários se veem pressionados a investigar para gerar conhecimentos
úteis à biopolítica global na sociedade do conhecimento. Nesse processo as
universidades o se convertendo em microempresas prestadoras de serviço.
Nessa perspectiva epistemológica, o se trata somente de articular o
conhecimento de uma disciplina com o de outra, gerando novos campos de saber na
universidade, ou seja, a assimilão do pensamento complexo seria somente um
aspecto da universidade transcultural. O outro aspecto, considerado mais dicil pelo
autor, tem a ver com a possibilidade de que diferentes formas culturais de
conhecimento possam conviver no mesmo espaço universitário. Logo, a primeira
consequência do paradigma do pensamento complexo seria a flexibilização
transdisciplinar do conhecimento e a segunda seria a transculturação do
conhecimento.
O diálogo de saberes entendido dessa forma tem sido impedido pelo modelo
epistêmico do ponto zero, pois, nesse modelo, o observador do mundo tem que
desligar-se dos lugares empíricos de observação, ou seja, a plataforma de observação
o é somente meta-empírica, mas é também meta-cultural. Além dos cheiros, dos
sabores e das cores, o pertencimento a qualquer tipo de tradão cultural também
dificulta a busca da certeza. Ou seja, observados desde o ponto zero, os conhecimentos
construídos historicamente pela humanidade, que o ligados aos saberes ancestrais e
tradões culturais, são vistos como um obsculo epistemológico que deve ser
superado, que deve estar no passado do Ocidente, enquanto que os conhecimentos que
cumprem com as caractesticas metodológicas e epistemogicas definidas a partir do
mesmo ponto zero o legitimados (Castro, 2015).
O colonialismo epistêmico da ciência ocidental não é gratuito, "a hybris do
ponto zero se forma, precisamente, no momento em que a Europa inicia sua expansão
colonial pelo mundo, nos séculos XVI e XVII, acompanhando assim pretenes
imperialistas do Ocidente" (Castro, 2015, p. 79). Para ele, a expano colonial da
Europa não teria sido possível sem a colaboração da cncia moderna, dado que a
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ciência colaborou para construir uma imagem de superioridade da cultura da Europa
em relão a todas as outras. O ponto zero seria então, a dimeno epistêmica do
colonialismo, uma parte constitutiva, que gerou uma determinada representação dos
povos das colônias, que passaram a ser vistos como "natureza", portanto possíveis de
manipular, moldar, disciplinar e civilizar, segundo critérios técnicos de eficiência e
rentabilidade.
Em ntese, decolonizar a universidade significa o favorecimento da
transdisciplinaridade. Istoobriga a ir além dos pares birios que marcaram o
pensamento ocidental da modernidade e mudar agica excludente (do este ou aquele)
pela lógica inclusiva (de este e aquele). Decolonizar a universidade, nestes termos,
implicaigualmente o favorecimento da transculturalidade, que engaja a universidade
em diálogos e pticas com conhecimentos ligados aos povos da Ásia, da África e da
América Latina, excldos do mapa moderno das epismes, considerados, na
perspectiva do ponto zero, como ticos, ornicos e p-racionais.
Aspectos históricos do ensino superior em Angola
A implementação do ensino superior em Angola ocorreu somente em 1962,
sob o domínio colonial português. Duas maneiras de pensar o ensino universitário
disputavam espaço quanto aos rumos a serem tomados a este nível de ensino nas
colónias. Um grupo, conservador, entendia que tal ensino se devia restringir a
estudos gerais e preparatórios, não concedendo graus acadêmicos. O outro grupo,
mais aberto, defendia que se devia abrir a todos os ramos do saber, do ensino à
investigação, concedendo todos os graus acadêmicos. Como explicaria Veiga
Simão, fundador da Universidade Lourenço Marques: “Para os primeiros,
universidades completas eram sinônimo de forças autonomistas, perigosas. Para
os segundos, universidades eram um modo de afirmação da personalidade e
diversidade cultural de Portugal no mundo” (Mateus; Mateus, 2011, p. 180).
Anterior a 1962 havia apenas a formação de nível superior para sacerdócio.
Esta formação estava a cargo da Igreja Católica, por meio do Seminário Maior de
Luanda. O ingresso era bastante seletivo e poucos negros conseguiam ingressar,
porque poucos eram os negros que concluíam o ensino secundário (Kebanguilako,
2016). Em 1962 a Igreja Católica fundou o Instituto Pio XII para a formação de
assistentes sociais (Carvalho, 2012). Em 21 de Abril de 1962, foram aprovados
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cinco Centros de Estudos Universitários, distribuídos por Luanda, Nova Lisboa
(actualmente o Huambo) e da Bandeira (o actual Lubango), assim como os
planos dos respectivos cursos, profissionais e de especialização. Foram eles: 1)
Centro de Estudos de Ciências Pedagógicas – com cursos profissionais em Ciências
Filológicas, em Ciências Geográficas e Naturais e em Ciências Físicas, Químicas e
Matemáticas. Este centro também organizou um curso de especialização em
Ciências Pedagógicas; 2) Centro de Estudos anexo ao Instituo de Investigação
Médica, oferecendo cursos profissionais em Medicina Geral e Análises Clínicas.
Também ofereceu cursos de especialização em Cirurgia Geral e Saúde Pública; 3)
Centro de Estudos de Ciências Econômicas, com o curso profissional em
Economia e o curso de especialização em Estatística; 4) Centro de Estudos de
Engenharia com cursos profissionais em Comunicações, Edificações e Urbanização
e Hidráulica; 5) Centro de Estudos anexo ao Instituto de Investigação Agronômica
com cursos profissionais em Agronomia, Silvicultura, Pecuária e Medicina
Veterinária e cursos de especialização em Biologia Agrícola e Engenharia Agrícola
(Neto, 2005).
É de ressaltar que “o acesso ao ensino superior era condicionado pela classe
social de origem, cor da pele, local de nascimento (Portugal Continental/ Luanda/
interior de Angola) e meio de residência” (Jacob, 2019, p.17). Ou seja, o acesso às
escassas instituições de Ensino Superior em Angola, principalmente nos primeiros
anos da sua implementação, estava condicionado à hierarquia social colonial
existente, sendo a posição social condição sine qua non de admissão, o que viria a
sedimentar e a reproduzir a estratificação social colonial em Angola (Carvalho,
2012).
No dealbar da independência, Angola contava com uma taxa de
analfabetismo de 85%, pesada herança colonial, que se arrastou até 1976 (Hatzky,
2008, p. 54). A educação tornou-se na missão imperativa para a construção da nova
sociedade, o que levou o Presidente Agostinho Neto a lançar uma Campanha de
Alfabetização (Ibidem):
Não pode haver uma boa produção se não houver quadros, se não houver técnicos,
e não pode haver técnicos se não houver trabalhadores que saibam ler e escrever. A
grande maioria do nosso povo é analfabeta. Estima-se em 85%, em cada 100
homens 85 não sabem ler nem escrever. Isto é uma desgraça para um país que está
a pretender desenvolver-se, quer dizer que o homem que não sabe ler nem escrever
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não pode de maneira nenhuma ser um bom técnico, ser um bom quadro, porque
não pode estudar por si próprio. Não pode ler nem um jornal, não pode ler um
livro, não compreende muita coisa daquilo que se passa no mundo, não aprende a
técnica, precisa portanto de aprender a ler e escrever.
4
(Neto, 1976 In FAAN,
Online).
Para o efeito, a nova nação contou com a cooperação de alguns países, com
especial destaque para Cuba, o mais importante parceiro, cuja cooperação civil no
âmbito da educação
5
tem sido constante e continua a se fazer sentir, tendo levado
para Angola dezenas de milhares de professores cubanos ao longo de mais de
quatro décadas de estreita colaboração. Enquanto que o ensino da língua
portuguesa era assegurado por angolanos e cooperantes portugueses, os cubanos
garantiam, de forma generalizada, as ciências naturais, as engenharias, a
economia, a história, a geografia e a pedagogia. Contudo, nem sempre esta
cooperação (que era paga por Angola)
6
mostrou-se proveitosa. A título exemplar,
em 1978 chega a Angola o “Destacamento Pedagógico Internacionalista Che
Guevara”, com 2.500 professores estagiários, entre os 17 e 20 anos de idade, sem a
necessária experiência, preparação científica e pedagógica e sem conhecimentos da
realidade angolana
7
. Mas, apesar das contrariedades inerentes a um projecto de tal
envergadura, entre 1981 e 1983 Angola recebeu cerca de dois mil cooperantes
cubanos, que atuaram no ensino primário e médio, em quase todas as províncias (à
excepção das zonas de guerra), e também a nível universitário, tanto em Luanda
como no Huambo (Hatzky, 2008, p. 59).
A cooperação cubana deixou uma marca indelével no desenvolvimento do
ensino angolano, por vezes sentida de forma afável pelos antigos alunos
8
(muitos
dos quais são hoje importantes quadros nacionais). Mas, por vezes, esta
cooperação foi (e de certa forma continua a ser)entendida como um impedimento
para o desenvolvimento do sistema educativo angolano que, até 1991
9
, dada a
afluência e disponibilidade de professores cubanos, amparou-se e
dependeu,possivelmente de forma excessiva, desta cooperação (Hatzky, 2008, p.
64).
4Discurso proferido pelo Presidente Agostinho Neto, na TEXTANG, em 22 de Novembro de 1976, que originou o Dia do
Educador em Angola.
5
Para informação mais detalhada sobre os contornos políticos desta cooperação ver Hatzky, 2008.
6
Ver Hatzky, 2008, p. 60.
7
Informativo da Direcção Provincial de Educação da Huíla para o Director do Gabinete de Intercâmbio e Cooperação
Internacional do MED (Ministério da Educação), Lubango, 7 de Novembro de 1978, p. 2 (apud Hatzky, 2008, p. 59).
8
A título de exemplo ver o romance Bom dia Camaradas do autor angolano Ondjaki.
9
Data da saída das tropas cubanas de Angola. A cooperação na educação continuou, mas de forma mais reduzida.
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Na formação pós-colonial, não se torna evidente o problema social da
falta de professores como também se verifica a necessidade da formação de
professores que respondesse a uma nova exigência política a formação do
Homem Novo angolano
10
.
A cooperação cubana teve um papel preponderante no que toca este aspecto
ideológico da formação de quadros nacionais, uma vez que Cuba teve também a
sua tentativa de construção do Homem Novo, cujo emblemático lema era “ser
como el Che” (Hatzky, 2008, p. 56).
A construção do Homem Novo angolano estava no centro da missão
educativa pois era compreedida como uma maneira de criar coesão num país
culturalmente heterogéneo (Hatzky, 2008, p. 54), multi-étnico e em guerra civil.
Para tal intento, foi necessária a implementação ideológica de raiz político-
ideológica, verificando-se uma colagem à ideologia do MPLA, o partido no poder.
Essas relações ideológicas pautadas nas relações de colaboração cubana
implicaram diretamente na maneira de ser professor. Isto é, a formação científica
não era suficiente, precisava ser temperada com o calor revolucionário da época
em questão (Quintas; Brás; Gonçalves, 2019).
Logo após a independência, a política do Estado angolano, em relação ao
ensino superior, abarcou tanto a formação superior dentro do país como o envio de
bolseiros para o exterior.
A Ilha da Juventude, em Cuba, é um exemplo de bolsas de estudo atribuídas
a Angola, desde a primária até ao ensino universitário. Esta ilha comportava (e
ainda comporta) internatos, fundados em 1977, que receberam crianças
angolanas
11
. Resultante de esforços internos e externos, em 16 anos,de 1975 a 1991,
foram formados, em Angola, 2.174 técnicos superiores; enquanto que de 1982 a
1992 foram formados,em vários países da Europa (ocidental e oriental), da
América Latina, da América do Sul [e de África]
12
um total de 1.733 técnicos
superiores (Liberato, 2019, p. 8). Nesse sentido, logo após a independência, Angola
viveu um período muito conturbado, pois:
10
Ver Discurso do Presidente Agostinho Neto na Proclamação da Independência de Angola.
11
Estima-se que em 1987, existiam na ilha cinco escolas primárias angolanas com cerca de três mil estudantes (Hatzky,
2008, p. 58).
12
Ver também Hatzky, 2008, p. 59.
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do ponto de vista político, económico e social, assinalando-se inclusivamente o
início de uma guerra civil que viria a terminar somente 27 anos depois. O Estado
angolano foi disponibilizando recursos insuficientes para o sector da educação,
razão pela qual a maior aposta foi então para o ensino de base (incluindo a
alfabetização) e, mais tarde, para o ensino médio. No período de 1977 a 2002, o
número de estudantes do ensino superior aumentou de 1.109 para 12.566, a um
ritmo médio anual de 10,2% (Carvalho, 2012, p. 54-55).
Uma vez proclamada a independência, foi criada a Universidade de Angola
em 1976, que passou-se a chamar Universidade Agostinho Neto (UAN) em 1985. A
UAN manteve-se como única instituição de ensino superior em Angola, de âmbito
estatal, até 2009, quando foi desmembrada em sete universidades regionais,
mantendo-se como UAN somente nas províncias de Luanda e Bengo (Carvalho,
2012). Além disso, a primeira instituição de ensino superiorprivada a surgir em
Angola foi a Universidade Católica de Angola, em 1992, entrando em
funcionamento somente em 1999 (Carvalho, 2012).
Logo após o seu surgimento, a UAN expandiu-se e “deu origem a 40
faculdades, difundidas pelas primordiais cidades do país e a operar em condições
precárias” (Quintas; Brás; Gonçalves, 2019, p.7), com gestão centralizada em
Luanda. A sua atividade concentrava-se nos ramos do Direito, da Economia, das
Ciências Agrárias, da Engenharia e da Medicina (Nguluve, 2006).No entanto,
precisamos considerar que, a bem da verdade, não haviam quadros suficientes em
muitas áreas do conhecimento, tornando-se imprescindível formar, literalmente,
toda uma nação.
Em 1980, as instalações da antiga Faculdade de Letras, no Lubango
(Província da Huíla) deram lugar ao Instituto Superior de Ciências de Educação -
ISCED
13
, que tinha como missão formar professores licenciados para atuar no
ensino médio. Foram criados inicialmente 13 cursos: Pedagogia, Psicologia,
Filosofia, História, Geografia, Biologia, Física, Química, Matemática, Antropologia,
Português, Francês e Inglês. Os graduados no ISCED, além da vertente de
formação no curso específico para a docência, recebiam igualmente competências
para a investigação científica na referida área do saber, assim como formação para
gestão e administração das instituições escolares. Ou seja, os cursos possuiam 3
13
Nada da Faculdade de Letras, nenhum currículo se manteve, somente as instalações e alguns professores. O ISCED tinha
um propósito muito diferente daquele da Faculdade de Letras.
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vertentes: a Docência, a Investigação Científica e Gestão, e a Administração
Escolar (Kebanguilako, 2016).
Com o findar da guerra civil, em 2002, deu-se a mudança da estrutura
educacional. A nova estrutura apresentava um ano escolar a mais de ensino geral.
Para o nível superior, que antes abarcava somente o bacharelato e a licenciatura,
começa a estruturar-se o ensino de pós-graduação, a nível de mestrado (Nguluve,
2006).
O ensino superior está estruturado em graduação e pós-graduação. A
graduação por sua vez subdivide-se em bacharelato e licenciatura. O bacharelato
possibilita ao estudante, segundo o parágrafo dois do Art. 38 da LBSE (2001), a
aquisição de conhecimentos científicos para o exercício de uma atividade prática
no domínio profissional respetivo, em área a determinar, com caráter terminal.
O curso de bacharelato corresponde a ciclos curtos, com a duração de três
anos. A licenciatura corresponde a uma formação mais alargada de quatro a seis
anos de duração, dependendo do curso e, ainda de acordo com o artigo acima,
parágrafo terceiro, a licenciatura tem como objetivo a aquisição de conhecimentos,
habilidades e práticas fundamentais dentro do ramo do conhecimento respetivo e
a subsequente formação profissional ou acadêmica específica (Nguluve, 2006).
A pós-graduação está estruturada em mestrado acadêmico, de dois a três
anos de duração. Este visa essencialmente enriquecer e desenvolver competências
técnico-profissionais do indivíduo licenciado. O doutoramento, de quatro a cinco
anos de duração, tem por objetivo proporcionar, segundo o parágrafo sexto do Art.
39 da LBSE (2001), a formação científica, tecnológica ou humanista, ampla e
profunda dos candidatos diplomados em cursos de licenciatura e/ou mestrado. A
pós-graduação profissional, que compreende a especialização de um ano de
duração, visa proporcionar a formação e o aperfeiçoamento técnico-profissionais
do licenciado (Nguluve, 2006).
Possibilidades de parceria entre universidades e escolas de educação
básica
Passamos a apresentar fragmentos de entrevistas realizadas com
professores da província da Huíla, no âmbito da pequisa de pós-doutoramento
Decolonizando tempos, espaços e memórias: experiências educativas na
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Província de Huíla Angola, realizada no contexto do Mestrado em Ensino de
História de África, do Instituto Superior de Ciências da Educação da Huíla em
Angola.
Trabalhamos com as narrativas sobre as possíveis relações com a
universidade de maneira que as narrativas, que são formas de dizer nossas
experiências, podem ser expressas por mônadas, isto é, "centelhas de sentido que
tornam as narrativas mais do que comunicáveis: tornam-se experienciáveis" (Rosa
et al., 2011, p. 203). Na definição do filósofo Walter Benjamin,“a idéia é mônada,
isto significa, em suma, que cada idéia contém a imagem do mundo. A
representação da idéia impõe como tarefa, portanto, nada menos que a descrição
dessa imagem abreviada do mundo” (2007, p. 69).
Assim sendo, a mônada capta a totalidade na singularidade, ou seja, na
construção de mônadas como aporte metodológico com base na rememoração dos
professores e professoras, nos detalhes mais miúdos das narrativas, há a chance de
recuperar o universal. Como diz Walter Benjamin, de escovar a história a
contrapelo e superar a história linear e colonial, na medida em que "a mônada
pode revelar o caráter singular da experiência educativa realizada, sem perder de
vista suas articulações com o universo amplo da cultura em que ela está imersa e
com o olhar subjetivo do pesquisador" (Rosa et al., 2011, p. 205).
Cada mônada é apresentada como um pequeno texto independente auto-
explicativo, com título e indicação da autoria de cada narrativa. As pontuações
sobre o conjunto delas serãoapresentadas nas considerações finais do artigo.
Choram mesmo porque querem ir à escola
Bom, as universidades, estamos falando ainda das universidades, eu acho que
vou me referir ainda de um gesto bem recente que tivemos da Universidade
Católica de Angola. Tivemos aqui uma visita da Universidade Católica de Angola
que fizeram uma doação, uma doação aos alunos, trouxeram material para os
alunos e isso foi muito bom, porque temos crianças muito carentes que nem
sequer conseguem um caderno, não conseguem um lápis. O pai pôs o seu filho na
escola, mas não se preocupa com o resto, não compra o material para seu aluno,
não compra a bata. Eu acho que as universidades podiam ajudar um bocadinho
nisso não é, talvez fazer assim anualmente, fazer-se alguma doação à essas
crianças necessidades. Porque realmente essas crianças têm a vontade de
estudar, o seu encarregado também tem vontade, quer que seu filho estude, mas o
encarregado está impossibilitado, o tem possibilidade de seu filho estudar.
Trabalha no campo, se calhar, a produção não deu conforme aqui muita gente no
município da Humpata depende da agricultura, dependem muito da agricultura.
E o povo local mesmo, deste município não aposta nos estudos. Não apostam, não
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apostam mesmo nos estudos. Eles preferem, este município todo o tempo tem
fruta, senão está a sair a couve, está a sair a batata, senão está a sair a batata,
está a sair a pêra, está a sair a maçã, então tem essa possibilidade de vender, de
estar todo o tempo a vender, consegue um dinheirinho que para fazer uma
refeição para aquele dia para suas crianças e para eles é suficiente. Nunca
pensam no futuro e por que? Porque também as crianças têm sido ameaçadas
pelos próprios encarregados, tem que ir à pasta, tem que ir apascentar o gado,
então, quando o filho vem à escola devolvem. Foste à escola então vais comer
na escola, é onde você vai ficar porque é onde tem a tua comida, sabe, e não
pensam no futuro, que meu filho amanhã poderá... Quer dizer, é um povo ainda
que tem uma mente muito muito atrasada, são poucos que pensam no futuro que
seu filho deve estudar. Então, mais uma vez eu digo que as universidades deviam
apostar nisso, também ir criando assim umas doações, ajudar essas crianças
impossibilitadas para ver, ou serem padrinhos de algumas crianças. mesmo
crianças que tem vontade, mas não conseguem, choram mesmo porque querem ir
à escola, mas o encarregado às vezes diz que “não, tem que apascentar os bois,
porque tem que cuidar do maninho”. Para ele a procriação é melhor, é
procriar, procriar, procriar, pôr as crianças ao mundo e não se preocupa com o
resto. [...] Apadrinhar alguma criança, ajudar essa criança a amanhã um dia ser
alguém e orgulhar-se, ver essa criança dizer que aprendeu e eu ajudei essa
criança hoje, é alguém para a sociedade (Alcina, 2019).
Devíamos começar a realizar campanhas
Eu acho que deviam, deviam realizar assim, por exemplo, algumas campanhas.
Devia-se realizar campanhas. É, dessas campanhas de maneiras que podiam
mesmo ajudar com o material. Vamos por exemplo fazer uma contribuição,
vamos criar um fundo, deste fundo podemos comprar qualquer coisa para poder
mesmo ajudar. Porque tem que ver com o futuro das nossas crianças, estamos a
formar, amanhã queremos ver uma Angoladesenvolvida. E aí então, devíamos
começar a realizar campanhas. Por intermédio disso mesmo, e aí podiam nos
ajudar, podiam nos ajudar. (A.M.I., 2019).
Eles ajudam os professores e indiretamente chegam até os alunos
Bem, a universidade deu um passo significativo porque já algumas
turmas de extensão do ISCED-Huíla. É, ainda quando havia o curso de Química,
Pedagogia e Psicologia, agora infelizmente o . em Caluquembe tem o
curso de História, tem o curso de Filosofia, havia o curso de Biologia, mas por
condições depois foi retirado. Eu creio que a universidade ajudou, de que
maneira, porque antes eles estivam até o ensino médio, e dali parece que era o
limite, o continuava. Então, desde que o momento em que o ISCED abriu
essas turmas de extensão, eles não precisam vir aqui para se formar. Eles
estudam mesmo lá, adquirem os seus saberes a partir mesmo dali e o os meios
que eles utilizam, embora o com um pendor científico muito acentuado para
nas escolas, onde eles trabalham como professores. Porque a maior parte dos
estudantes no ISCED, das turmas de extensão do ISCED, são professores no
município. Então, eu creio que nesse sentido o ISCED está dando um
contributo, isto é, desde 2011, está a dar um contributo para o saber dos
professores. E isso é que se... eles ajudam os professores e indiretamente chegam
até os alunos (BAC, 2019)
Seria bom que viessem pessoas especializadas, qualificadas para nos
darem este subsídio
As universidades... quanto as universidades, se calhar, deviam promover assim
alguns seminários, mais seminários de capacitação. Porque nem todo mundo,
como é o meu caso, formou-se né, tem a agregação pedagógica. Eu, por exemplo,
o ensino médio não fiz o INE [Instituto Normal de Educação]. O superior não fiz
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ISCED e fiz Psicologia Clínica. [...] Mas é importante que haja seminários de
capacitação. Nós temos tido os seminários, mas nós precisamos de pessoas
especializadas para nos dar porque, normalmente, nós fazemos aqui os
seminários somos entre professores, os professores é que vão, desenvolvem temas
que são discutidos.Sim, nós mesmos! Então, seria bom que viessem pessoas
especializadas, qualificadas para nos darem, então, este subsídio. Apesar de ter
escolas que já...já existe, mas a maioria não. Precisamos, sim precisamos (Loide,
2019).
Ajudando os professores com alguns materiais
Bem as universidades, creio eu no meu ponto de vista, que poderiam ajudar
mesmo em primeiro lugar com algumas campanhas de sensibilização, com mais
profundidade ainda e também ajudando assim os professores com alguns
materiais, talvez diria didático, talvez com algum apoio mesmo... Mas diria talvez
que alguns conselhos ou alguns... Mas, quando mandam aos professores o apoio
que seria mesmo estar baseadamente naquilo que são em questão de apoio
moral.Digamos assim, apoio moral (Raymundo, 2019).
As universidades demoraram muito mais tempo a recompor-se
As universidades, portanto, eu tenho que dar um outro tratamento a nível das
universidades, porque com exceção de algumas faculdades em Luanda, nós aqui
no Lubango só tínhamos a faculdade de Letras e no resto do país ainda não
existia. E, portanto, mesmo quando se dá independência o país estava muito
dividido, estava muito dividido. Era o MPLA de um lado, a UNITA do outro.
Havia essas divisões fizeram com que algumas instituições deixassem de
funcionar. Então, as universidades demoraram muito mais tempo a recompor-se.
Alguns cursos tinham desaparecido, foram reaparecer depois, é o caso do Direito.
Mas, Engenharias... E as faculdades de Engenharia sempre foi excelente,
Medicina também. E aqui depois acabaram com a faculdade de Letras e criaram
então o ISCED.A primeira cidade a receber oISCEDfoi aqui. E depois é que foi
Luanda, Benguela e depois foi a se estender. A sede do ISCEDestava no Lubango.
Foi aqui, portanto, em transformação da faculdade de Letras. Mais tarde, a
exemplo do Instituto Normal de Educação, o ISCED começou a elevar, porque a
formação de professores a partir de um determinado ano que eu não sei muito
bem, sei o terceiro, o estudante tem que ir assistir aulas e participar com
orientação de algum professor, ministrar aquela disciplina na qual ele está se
formando. Fora disso, não assim nenhuma, não vejo nenhuma participação
das universidades até com comunidades e tudo. Não! Elas trabalham de uma
forma estanque, como que muito senhoras do seu nariz e não se vê uma
participação ou pelo menos não o suficiente (Sergio Souza, 2019).
Se realmente a universidade fosse chamada para atuar, a qualidade
estaria em alta
Eu gostaria realmente que... esse é o maior desejo que eu tenho, que a
universidade realmente jogasse o papel, por exemplo, como nós vemos em outros
países a jogar o papel, que a universidade é o campo de investigação e a partir
dali que toda a investigação saí e a experiência dali vai ser aplicada em outros
sítios. Nós não vemos realmente as instituições superiores a darem um grande
contributo para a maioria, porque várias monografias são feitas a nível de ensino
superior e com ideias excepcionais...com ideias excepcionais, mas na verdade nós
não vemos grande mudança. Mas, na minha ótica, essas universidades podiam...
podiam. Se tivesse uma grande abertura, porque eu acho que é esta, às vezes, é
um bloqueio que existe. Porque é necessário que o governo abra as portas para
que a universidade entre nas instituições e dizer, e estudar, e dizer assim: “olha, o
modo como isso está sendo feito, está errado. O modo mais acertado devia ser
este, este ou aquele.”. Uma instituição superior como o ISCED, vocacionada
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exatamente para o ensino, contribuiria de tal forma que é impressionante.
Contribuiria de verdade, porque com a metodologia que aprendem, vão
aprendendo técnicas para ensinar, para facilitar a transmissão dos
conhecimentos. Contribuiria não aos alunos, mas potencializando até mesmo
aos professores, até mesmo aos professores. Nós, muito dos professores, os que
lecionam que estão na minha condição. Muitos professores que não passaram
pelo ISCED, não passaram pelo ISCED. Então a componente pedagógica esum
bocadinho em falta, está um bocadinho em falta. Vale pra mim, por exemplo, a
preocupação de sempre tentar investigar, melhorar, e tudo mais. Eu vou sempre
debatendo com meus colega aqui. Então, eu tentei esse método e não é lá... esse
método é assim, devias tentar desta forma e tudo mais. E vou sempre com o
recurso, também aquilo que o os manuais de apoio. Vou ao manual do
professor que me instrui, na passagem desse método, deste conteúdo, o professor
deve agir desta forma, procurar exemplos de natureza x, y, z. Então, é assim que
eu vou me guiando. Mas, se nós tivéssemos um contributo de instituições
superiores, como o ISCED não é, que seria mesmo a esses professores não
aderem a suas práticas pedagógicas, mas também a fazer seminários de
capacitação, assistência às aulas dos professores, a verem se realmente o método
de transmissão dos professores para os alunos tem sito adequado mediante cada
uma das disciplinas que são dadas. Eu acho que se realmente a universidade fosse
chamada para a atuar, a qualidade estaria em alta. Estaria mesmo em alta.
Exato! (Sergio Costa, 2019).
À guisa de considerações finais
Como vimos ao longo do texto, a universidade pode ser um espo de
desconstrução de subalternidade e afirmão das identidadestradicionais. Mas
primeiro é preciso que se reconheça o ser e os saberes de povos historicamente
excluídos do fazer na universidade. Apesar da grande dificuldade em operar mudaas
epistemológicas que valorizem as identidades, as histórias, os saberes e as diferentes
culturas, por outro lado, a entrada e a resisncia de outros sujeitos no espo
universirio, que é marcadamente ocidental e colonial, tamm pode colaborar para
um processo de decolonizão da universidade, para que esta olhe para si e fa uma
reflexão sobre suas pticas e o seu papel social.
Precisamos pensar a colonialidade do ser, do saber, do poder e da natureza,
como um domínio que produz subjetividades, saberes e poderes que repercutam na
educão, considerando que a educão escolar é um dos suportes basilares da
colonialidade, fundamental para a reprodução da colonialidade do saber. Assim
sendo, as instituições de ensino precisam estar abertas para dialogar com as
diferentes comunidades, a fim de perceber se a educação que estão realizando
coloca à disposição ferramentas que atendam às necessidades destas para que
possam viver em sociedade sem que percam a sua identidade diferenciada.
Muitas vezes, a educação oferecida não é a que estão buscando nem a que
responde às suas demandas. Para dar-lhes resposta, é fundamental que os
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professores aprendam a exercitar a escuta e a adaptar a universidade às
necesidades das comunidades. Podemos tomar como exemplo a escrita nas línguas
coloniais, que representa uma das dificuldades que muitos estudantes enfrentam,
que deve ser debatida de forma aberta a fim de que se encontrem soluções para
facilitar e promover a comunicação educativa. Estas soluções devem partir da
universidade e do seu diálogo com as comunidades tradicionais, através de
programas de extensão universitária pensados para o efeito.
Decolonizar a universidade pressupõe ouvir as demandas das comunidades
onde a mesma está inserida. Os professores que trabalham nessas comunidades
podem ser um dos elos entre a comunidade e a universidade. As acções de
extensão universitária podem servir para construir pontes de ligação e
comunicação entre as comunidades e a universidade.
Este diálogo poderá enriquecer o ensino universitário angolano no sentido
em que as experiências colhidas das acções de extensão poderão servir para
alvancar reflexões que levarão a repensar currículos, a mudar temas, conteúdos,
abordagens, métodos e uma série de dimensões da educação que naturalizamos,
mas quem nem sempre vão ao encontro das necessidades de Angola como país
com as suas particularidades. Assim sendo, poderermos recriar e, possivelmente,
decolonizar a universidade, de forma a prestar uma formação pensada e adequada
para servir as diversas comunidades e colmatar as suas necessidades, enquanto
contribuimos para a construção de um processo educativo inclusivo e pragmático,
que aborde e crie solucões adequadas à realidade de cada comunidade e, quiçá, do
país.
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International License. Ao submeter o manuscrito o autor está ciente de que os direitos de autor
passam para a Revista Científica do ISCED-Huíla.
Recebido em 17 de Agosto de 2020
Aceite em 07 de Outubro de 2020