Revista Científica do ISCED-Huíla

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RESENHA CRÍTICA

Contra a Pedagogia. A Difícil Tarefa de Ensinar a Ensinar: Lições de Filosofia de Educação e de Teoria da Educação no Instituto Superior Politécnico Sol Nascente de Inácio Valentim

Against Pedagogy. The Difficult Task of Teaching How to Teach: Lessons in Philosophy of Education and Theory of Education at Instituto Superior Politécnico Sol Nascente a Book of Inácio Valentim


Anil Miguel Vila1

Instituto Superior Politécnico de Humanidades e Tecnologias, Angola

anil-vila@isupekuikui2.co.ao


Referência

Valentim, I. (2019). Contra a pedagogia. A difícil tarefa de ensinar a ensinar: Lições de filosofia de educação e de teoria da educação no Instituto Superior Politécnico Sol Nascente (ISPSN) – Huambo. Huambo.



Credenciais do autor

Inácio Valentim é Professor Catedrático do Intituto Superior Politécnico Sol Nascente, onde exerceu a função de Director Geral. Estudou Filosofia no Institut Supérieur de Philosophie et Scinces Humanies Don Bosco de Lomé; Ciências Políticas na Universidade Católica Portuguesa, filiado no Departamento do Instituto de Estudos Políticos em Lisboa; Mestre em Filosofia da História pela Universidade Autónoma de Madrid e Doutor em Filosofia pela Universidade Carlos III de Madrid. É Catedrático de História do Pensamento Político Clássico no Intituto Superior Politécnico Sol Nascente. É especialista de Michel Foucault e leitor de Platão. Tem várias obras e inúmeros artigos publicados, com foco na Teoria Política Clássica e Literatura Clássica.



Resenha

A obra de Valentim, conforme reflete o título, aborda questões ligadas à Filosofia de Educação, embora o título aluda também à “teoria de educação”, a reflexão proposta consubstancia-se na Filosofia da Educação.

O título da obra, “Contra Pedagogia”, parece ser inspirado em questões que têm sido levantadas por aqueles que se acham detentores da pedagogia, mas que, mal a conhecem, “a mísera compreensão da pedagogia e do seu reducionismo”: “isto não é pedagogia”, “isso é antipedagógico, “este professor não tem pedagogia” (p. 14). Essas afirmações inspiram Valentim a procurar através dos estudos clássicos, uma compreensão histórica e holística da temática. Entretanto, “contra pedagogia” é, ir de encontro ou se preferirem, confrontar as falácias sobre pedagogia na academia e arredores e apresentar a essência real da temática. A obra possui quatro capítulos: o primeiro, responde à questão “o que é aprender e como aprender numa educação liberal em África”. O segundo analisa “a interpretação filosófica e as suas complementaridades gnosiológicas na sua relação com outros saberes”. O penúltimo aborda as “Ciências da Educação: o estatuto epistemológico da história de um nominalismo controvertido” e, finalmente, a abordagem sobre “ética e educação: um desafio formativo no ensino superior”.

O autor identifica-se tendo em conta a sua formação, conforme visto acima, com a linguagem filosófica ao longo da obra. Isto é evidenciado pelo estilo poético utilizado, pelo que se deve acautelar e não interpretar algumas ideias literalmente, sob pena de o leitor imergir em incompreensões. Frases como, “o saber enobrece-nos e o conhecimento empobrece-nos porque torna-nos divinos mortais sem possibilidade de ressurreição”(p. 14); “a estética só é acessível para almas preparadas, só é acessível para as almas que atravessam a noite, aquelas que conseguem fazer com que as arrumações das interrogações se transformem numa Arqueologia do Saber”(p. 19), carecem de interpretação, que procura encontrar o tesouro subjacente à metáfora explícita.

Alguns temas como aquele que esclarece a identidade da filosofia de educação e o objecto da teoria da educação, não são abordados com profundidade, mas isto não quer dizer que o autor não cumpre com os propósitos pretendidos.

A obra do Filósofo começa por reflectir as condições que permitem a ocorrência da aprendizagem no processo docente-educativo. Aqui, o autor não está preocupado em incorporar as teorias psicológicas que regem a aprendizagem, pelo contrário, foca-se filosoficamente nas acções que se afiguram pertinentes para sua ocorrência. Por essa razão, não faz referência a autores como: Ivan Pavlov, John Watson, Edward Thorndike e Burrhus Skninner do Behaviorismo; Jerome Bruner, Jean Piaget e David Ausebel do Cognitivismo; Carl Rogers, George Kelly do Humanismo; Lev Vygotsky, Paulo Freire e James Wertsch do Sócio-culturalismo e outros como Robert Gagné e Edward Tolman.

Valentim considera que a aprendizagem deve ser um acto voluntário e deve ser promovida pelo aprendiz, como refere o autor “a filosofia só pode salvar e curar quem já está curado, quem reúne requisito para a cura.” O autor refere-se à necessidade da pré-disposição de quem aprende com vista a superar as barreiras. Introduz-se aqui a aprendizagem humanizada que evita a violência, promove a alteridade e considera a partilha entre os actores que comungam o espaço e o tempo. Essa aprendizagem não deve ancorar-se na doutrina hegemónica global, mas sim, naquela que valoriza as diferenças culturais (Gutiérrez, 2009), como diz o autor, “quem aprende é obrigado a ter argumentos (...) (p. 31).”

Do mesmo modo, o professor deve estar preparado para facilitar o processo. Valentim parte da seguinte asserção: “não posso explicar o rigor do inverno se não tenho experiência do inverno rigoroso. Porque não disponho dos dados característicos do Inverno. A tese contempla as responsabilidades que são atribuídas ao professor, isso em parte explica que a educação não é uma mera transmissão de informações. O autor chama a atenção para a adequação da palavra capaz de transmitir a realidade que se pretende, mas, também, para o facto de que as explicações do professor devem carregar a experiência cultural capaz de traduzir a fotografia real do objecto a assimilar.

Adiante, o autor apresenta as circunstâncias históricas que permitiram a demarcação das Ciências de Educação da Pedagogia, que até ao princípio do Século XX, acoplava todas as responsabilidades educativas. Assim, a teoria de educação procura “conhecer a realidade educativa, procura modificar e procura inovar a própria educação” (p. 43). Valentim defende ao longo da obra que as ciências da educação não possuem um saber próprio, porque dependem da criatividade epistemológica e da transversalidade das diferentes áreas de estudo que respondem aos problemas identificados na área de educação. Como reforça o autor, “por não ter um saber ontológico então é confinada no âmbito do saber narrativo de incidência fraca”(p. 43). Todavia, a fundamentação do autor sobre o assunto é contestável.

O autor faz referência a diferentes autores clássicos na obra, dentre os quais se destacam, Sócrates, Platão, Aristóteles, Kant, Nietzche, Herbart, Strauss, Bourdieu, Dewey, Comte, Durkheim, Giddens e Michel Foucault. Com base na visão prismática desses autores, Valentim procura em cada capítulo, fazer uma incursão sobre a origem histórica da discussão, permitindo, deste modo, enriquecer os seus argumentos. Por outro lado, o autor demonstra ser um conhecedor dos estudos clássicos e facilmente estabelece links do saber remoto ao contemporâneo, para além da demostração de inúmeras terminologias: grega, latina e de outras línguas. Incorpora também, no texto, sabedoria bíblica para explicar certa problematização, por exemplo, o autor cita I Reis 3:9 “Dá-me a sabedoria para governar o meu povo”(p. 175), estabelecendo uma relação com Platão que já terá pronunciado essas palavras no âmbito da dependência da sabedoria para liderar o povo.

Neste sentido, o autor transporta o leitor para o Antigo Egipto, Grécia Antiga e Mesopotâmia como berço do saber e da educação. Faz uma descrição criteriosa da origem dos temas em discussão para posterior explicitação do desconhecido aos leitores. Porém, apesar do bom senso do autor, em ilustrar historicamente o que hoje é controvertido e até banalizado, a leitura pode tornar-se exaustiva e pouco interessante. Apesar de ser uma obra de Filosofia da Educação, ela é rica em lições de história da educação. As retrospectivas realizadas ao longo da obra, despertam conhecimentos úteis, por exemplo, as várias referências que faz sobre a República, Ménon e os diálogos de Platão em Alcibíades I e Laques de Sócrates, nas quais o autor reflecte sobre a temática da “Ética e educação”, com uma relação nítida do passado com o contemporâneo.

De igual modo, o filósofo chama atenção para a comunicação no processo de ensino-aprendizagem referindo expressões como vocabulário, linguagem e fala. Esse facto não diz respeito apenas aos elementos da Pedagogia, mas também da didáctica, espelhados na obra. Mais do que Filosofia ou teorias da educação, a obra contém inúmeras lições didácticas. Tais lições aparecem na seguinte frase: “perceber de que forma o ensino e aprendizagem chega até ao outro, quem faz chegar e a partir de que via pode chegar ao outro”(p. 98). Isto é o que se chama em didáctica, conhecimento táctico (Cartwright, 2011). Essa frase, se lida de forma mais pormenorizada, reflete a preocupação em como aprender, que recursos e métodos utilizar para efectivação do processo. No mesmo âmbito, acrescenta o autor, “nesta altura interrogo-me sobre o tipo de linguagem que tenho utilizado para que os outros entrem em mim, cheguem a mim e provavelmente dou conta que utilizei uma linguagem estranha (...)” (p. 81).

Duas interpretações podem explicar a frase anterior, apesar dos múltiplos sentidos: (i)o autor faz uma introspeção, que a visão de McGregor (2011) considera “acto reflexivo”, ou “reflexão-sobre-acção” (Fandiño-Perra, 2011), pelo facto do professor indagar posteriormente sua actividade. Valentim, ao apresentar a ideia, não o fez com propósito de iludir, mas sim, mostrar como repensar a prática quotidiana; (ii)por outro lado, apresenta a importância da linguagem no processo de ensino-aprendizagem e encoraja a primar por uma comunicação que orienta o processo à verdade, ainda que a verdade seja mística, é necessário trazê-la à superfície, para tal, se deve evitar a deturpação da comunicação, como diz Paulo Freire, deve-se evitar comunicados, mas sim comunicar-se e não olhar para o interlocutor como ignorante absoluto “absolutização da ignorância” (2014, p. 80), mas como um ser que possui um conhecimento prévio necessário para aprender, em última análise, reputar o pendor cultural da alteridade.

O Filósofo ilustra a história da educação desde o século VIII aos nossos dias. Para enquadrar a discussão, expõe as três tradições que marcaram a educação até ao século XIX, assim sendo, apresenta a tradição alemã e para discuti-la, recorre à Kant, Herbart e Dilthey. Por conseguinte, na tradição francesa, destaca Durkheim e Comte, e finalmente na tradição anglo-saxónica. Segundo Valentim, a última tradição gerou a Filosofia da Educação tal como a conhecemos hoje, mas o autor não se aprofunda. A essa tradição, por criar condições para o surgimento da Filosofia de Educação, deveria ser tomada com maior atenção, entretanto, não mereceu o aprofundamento que se esperava.

Posteriormente discute a relação existente entre a Psicologia e a Educação. Valentim vai às raízes da Psicologia e as suas respectivas ramificações para ulteriormente estabelecer a relação existente com a Educação e faz o mesmo com a Sociologia da Educação.

Já no final da obra constrói uma análise profícua sobre a democracia e a educação nos PALOP, na qual propõe a implementação de duas disciplinas na educação pré-universitária, “Educação para a democracia” e “Literatura e instrução para a democracia”. O autor convida o leitor e os lusófonos em particular, a repensar a valorização das tradições e costumes que se configuram em práticas que promovem a pluralidade de opinião e valorização da mulher, como diz o próprio autor, “educar para conservação destes valores é também educação para a democracia e é educar para a manutenção da cultura e dos preconceitos positivos” (p. 170).

A obra termina com abordagem da “ética e educação” subjacente ao ensino superior. Aqui, Valentim pretende esclarecer e consciencializar os professores a repensarem as práticas nocivas que enfermam o ensino superior. O seu argumento, quando analisado em contexto angolano leva o leitor a reflectir sobre os mesmos. O autor não apresenta apenas argumentos teóricos, mas desnuda a realidade angolana, e chama atenção aos professores para evitar dar aulas em disciplinas que não consigam produzir papers, livros etc.; alerta ainda que não é ético pertencer em diversas instituições de ensino e não identificar-se em nenhuma delas; finalmente, não é ético o professor aceitar disciplinas que não tem domínio para leccionar. Assim, Valentim convida “cada um de nós que reflectisse sobre a forma como encaramos a educação. (...) Não é possível educar sem um tempo de sofrimento diário ou semanal com os livros e com as pesquisas. Não haverá educação se não haver honra para renunciar aquilo que não conhecemos mas que assumimos conhecer. A formulação da eticidade no ensino superior passa por uma necessidade da prática da construção, da renúncia e da consciência dos limites” (p. 180). Em resumo, acrescentamos com base no pensamento dos professores Neves e Justino (2018) “todo projecto educativo é uma opção moral” que requer obrigatoriamente uma acção ética.

Recomenda-se a obra aos estudantes do curso de Ciências de Educação, porque através dela se esclarecem diferentes inquietações sobre Filosofia de Educação, a obra permite aprofundar os temas sobre a História da Educação, profissão docente e conhecer o contributo dos autores clássicos em diferentes temas sobre a educação. Aos especialistas em Ciências de Educação, a obra é pertinente porque permite reflectir sobre as responsabilidade da figura do professor na prática docente e aperfeiçoar sobre os pilares “ideológicos e nacionalistas, políticos e metalinguísticos, filosóficos e gnosiológicos, teológicos e deístas, sociológicos e antropológicos (p. 16)”. E aos professores em geral, a obra serve não apenas para auto-consciencializar e repensar o âmbito da actuação docente, mas também a conhecer e considerar o estudante como outro que deve ser cuidado e respeitado sempre com base na ética educativa.



Referências

Bustos, T. P. (2010). Aportes feministas a la educación popular: entradas para repensar pedagogicamente la popularización de la ciencia y tecnologia. Educação e Pesquisa, 36(1), 243-260.

Cartwright, L. (2011). How consciously reflective are you? Em D. M. Cartwright, Developing reflective practice: a guide for beginning teachers (pp. 55-68). London: Open University.

Fandiño-Perra, Y. J. (2011). English teacher trainig progrms focused on reflection. Edu. Edu, 14(2), 269-285.

Freire, P. (2014). Pedagogia do oprimido (Vol. 58). São Paulo: PAZ & TERRA.

Gutiérrez, S. D. (2009). Popularizar la ciencia: consideraciones sobre la otredad y sus implicaciones éticas. Medelin-Colombia, 9(1), 53-67.

McGregor, D. (2011). What can reflective practice mean for you...and why should you engage in it? Em M. &. Debora, Developing reflective practice: a guide for beginning teachers (pp. 1-20). London: Open University.

Neves, M. d., & Justino, D. (2018). Ética aplicada. Lisboa: Edições 70.





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1 Mestre em Cultura Científica e Divulgação de Ciências.

RDrawObject2 evista Científica do ISCED Huíla, Lubango, v. 2, n.1, p. 108-115, Jan./ Jun., 2021.DrawObject3