José Martins dos Santos Neto
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A Função Educativa da Escola a Partir do Filme Entre Lés
Murs
The Educational Role of School Based on the Film Lés Murs
José Martins dos Santos Neto
1
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Brasil
biotoque@yahoo.com.br
Resumo
O artigo reflete sobre a função educativa da escola na atualidade, em especial no contexto
brasileiro. Pensa a polissemia da expressão muros da escola no contexto do filme francês Entre lés
murs, de Laurent Cantet, vinculando os múltiplos sentidos do termo com dimensões facilitadoras e
inibidoras da tarefa educativa. Para corroborar a reflexão se recorrem, sobretudo, às concepções
racionalistas e empiristas que fundamentam o ato de educar. Além da análise crítica que parte da
interpretação da metáfora dos muros, são feitas ponderações sobre o duplo sentido do substantivo
muros entendido como barreiras ou pontes nas relações educador/educando. Nesse sentido, são
realizadas ponderações sobre desafios enfrentados por professores e alunos na relação
ensino/aprendizagem no interior da escola. Para as reflexões são atribuídos dois significados à
expressão muros da escola. Primeiramente, a expressão é pensada como espaço para o exercício de
uma liberdade responsável por parte dos agentes do processo de ensino/aprendizagem levando-se
em conta o dinamismo da alteridade. Num segundo momento, a metáfora dos muros é explicitada
como cerceamento do poder expressivo dos educandos. As reflexões trazem, por fim, subsídios para
estudos sobre desafios postos pela questão da diversidade de opiniões e interesses no âmbito das
escolas na contemporaneidade, especialmente no que tange à tarefa de acolher e transmitir os
conteúdos básicos dos legados culturais de modo contextualizado, dialogal e respeitoso.
Palavras-chave: educação, muros, liberdade.
Abstract
The article reflects on the educational role of the school today, especially within the Brazilian
context. The article discusses the polysemy of the expression "school walls" in the context of the
French film Entre lés murs, by Laurent Cantet, linking the multiple meanings of the term with
dimensions that facilitate and inhibit the educational task. To corroborate the reflection, we resort
mainly to rationalist and empiricist conceptions that underlie the act of educating. In addition to
the critical analysis that begins with the interpretation of the metaphor of the walls, the text reflects
on the double meaning of the noun "walls" understood now as barriers, now as bridges in the
relationship between teachers and student. To this end, considerations are made about possible
challenges faced by teachers and students in the teaching / learning relationship within the school.
Reflections are made on the theme of the film, attributing two meanings to the expression walls of
the school. First, this expression is thought of as an ideal space for the exercise of responsible
freedom by the agents of the teaching / learning process, taking into account the dynamism of
otherness. Secondly, the wall metaphor is explained in its negativity as a restriction on the
expressive power of students. The reflections finally bring subsidies for studies on challenges posed
by the issue of diversity of opinions and interests in the context of contemporary schools, especially
with regard to the task of welcoming and transmitting the basic contents of cultural legacies in a
contextualized, dialogical and respectful way.
Keywords: education, walls, freedom.
1
Doutor em Filosofia. Professor
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Introdução
O presente texto reflete sobre a natureza filosófica de questões emergentes
vinculadas à relação professor/aluno no âmbito escolar, especialmente o brasileiro.
Para esse propósito traz à baila concepções de educação de vieses racionalistas e
empiristas que fundamentam o ato de educar como tal. As reflexões sobre as
concepções de pessoa que subjazem o complexo processo educativo levam em
conta situações vivenciadas por professores e alunos dentro do espaço da sala de
aulas, relacionando-as com provocações éticas postas por Laurent Cantet no filme
Entre lês murs, com base no livro e roteiro do professor e jornalista francês
François Bégaudeau.
As ponderações ao longo deste texto apresentam criticamente alguns dos
diálogos do filme Entre lês murs que, de algum modo, expressam formas variadas
de conflitos na relação entre professor e aluno, atribuindo significados múltiplos à
expressão ‘muros da escola’. Os comentários buscam ligar a realidade escolar
mostrada no filme, meio ficção, meio documentário, com aspectos gerais do
cotidiano escolar na vida real, especialmente o brasileiro. Por fim, pretende-se
abrir espaços para questionamentos das certezas generalizadoras próprias do
senso comum no âmbito do conhecimento e fazer pedagógicos, buscando alcançar
sínteses educativas abertas a críticas construtivas. Nesse sentido, o ato de educar
terá como propósito basilar o fomento de projetos educativos cada vez mais
humanos e dialógicos, capazes de fertilizar e de ampliar a dinâmica reflexiva sobre
o próprio ser humano e o tipo de sociedade que se pretende construir.
Ponderações sobre o duplo sentido da expressão ‘muros da escola’
Para o propósito reflexivo desse texto, a metáfora contida na expressão
‘muros da escola’ será interpretada, de início, a partir de duas vias. A primeira
delas diz respeito à delimitação de espaços para o exercício da liberdade por parte
dos envolvidos no processo de ensino/aprendizagem como segurança, acolhida e
limites, levando em conta o dinamismo da alteridade, isto é, os espaços dos outros
sujeitos do conhecimento. Nesse sentido, a noção de alteridade nos remete ao fato
de que, além do conhecimento objetivo, existe o intersubjetivo, propriamente
humano, que não se no nível pessoa-coisa, sujeito-objeto, mas sujeito-sujeito,
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isto é, entre duas liberdades em interação. A mediação desse conhecimento supõe
que o outro não seja reduzido ao eu ou ao que se pensa dele. Isso implica no fato
de que “o Eu (Moi) diante do Outro é infinitamente responsável” (Lévinas, 2009,
p. 53).
Essas duas modalidades de conhecimento sujeito-objeto e sujeito-sujeito,
abordadas por Emmanuel Levinas (1906–1995), nos remetem ao que é
compreendido pelo filósofo Martin Bubber (1878–1965) como mundo objetivo (o
reino do isso) em contraposição ao mundo subjetivo/pessoal (o reino do tu).
A primeira proposta de abordagem interpretativa da metáfora dos muros da
escola na acepção mencionada anteriormente, como delimitação de espaços para o
exercício da liberdade responsável, nos autoriza pensar que o ato de educar supõe
um espaço moral, isto é, de um dever ser (muros, limites) que possibilite ao
educando compreender que o ser é sempre relação, isto é, reciprocidade e
dialogicidade. Nesse sentido, o eu se apresenta sempre como relação e, como tal,
se manifesta na direção de um tu. Por isso mesmo, deve ser tratado sempre como
um Tu e não como um Isso. Nas próprias palavras de Bubber, “o tu encontra-se
comigo (...). mas, sou eu quem entra em relação com ele (...). o eu se realiza a
partir da relação com o Tu; Toda vida é encontro (Bubber, 2003, p. 49).”
A segunda abordagem de interpretação da referida expressão ‘muros da
escola’, diferentemente da anterior, diz respeito aos mecanismos de limitação e de
cerceamento do poder expressivo e criativo dos educandos, o que se pode atestar
pela concepção do tipo de pessoa que a escola pretende formar e que se acha
explícito nos marcos dos projetos político-pedagógicos das mesmas.
Considerações sobre modelos de escolas e o tipo de pessoa que se
almeja formar
A escola institucionalizada, como a conhecemos na atualidade, é uma
criação burguesa do século XVI. Desse momento histórico em diante, e seguindo
em direção aos séculos XVII e XVIII, a escola assumiu o papel de formar e
disciplinar um novo homem para uma nova sociedade, além de outras
caraterísticas e funções que nesse período deu a ela o status de reprodutora de
privilégios e perpetuadora da desigualdade social. Com o advento da Revolução
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Industrial, iniciada no século XVIII, alteraram-se alguns aspectos da exigência da
escola burguesa, entre eles a formação acadêmica predominantemente humanista,
que se contrapunha à necessidade de formação técnica especializada, bem como
aos estudos de ciências. Nesse contexto, o ideal de pessoa que a escola pretendeu e
ainda pretende formar se acha delineado nas grades curriculares e nos seus
projetos político-pedagógicos que, por sua vez, são embasados nas concepções
racionalistas ou empiristas de educação.
Essa mudança e atenção dadas aos novos conteúdos sugerem o triunfo da
burguesia capitalista e do desenvolvimento e consolidação da ciência, que
adentraram o século XIX, com o objetivo de laicizar a educação, torná-la pública e
gratuita, configurando-se como privilégio de poucos. No que tange a esse
questionamento, Aranha e Martins (1998) chamam atenção para o fato de que, no
século XIX, os países desenvolvidos haviam conseguido a universalização do
ensino básico, enquanto, no Brasil, não se tinha conseguido até aquele momento
sequer a superação das dificuldades de acesso à escola.
As respectivas tendências filosóficas, racionalistas e empiristas, por sua vez,
não contemplam o educando como um sujeito dinâmico e aberto às mudanças,
mas como ser passivo.
Essa configuração passiva do educando é fundada, seja na pressuposição
das ideias inatas, que compreende o aprendiz como refém do que traz consigo ao
vir ao mundo, seja na concepção que parte do postulado de que ao nascer o
indivíduo é como uma tábula rasa ou uma mente vazia a ser preenchida por meio
das experiências cotidianas, exigindo que o aluno (aquele que pretensamente não
tem a luz do conhecimento) se adapte ao meio que o circunda.
Essa última noção pode ser apreendida da concepção do filósofo inglês John
Locke quando, na sua investigação sobre a origem das ideias no homem, busca
defender o primado da experiência postulando:
Nela se encontram todas as observações que fazemos sobre os objetos exteriores e
sensíveis ou sobre as operações internas da nossa mente, de que nos apercebemos e
sobre as quais nós próprios refletimos, e que fornecem à nossa mente a matéria de
todos os pensamentos (Locke, 1999b, p. 106).
Uma das limitações da referida concepção no que concerne ao ato de educar
reside no fato de que, ou ela não leva em conta os conhecimentos prévios dos
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sujeitos, ou considera esses conhecimentos do senso comum como sendo de ordem
inferior.
Em suma, nem a concepção racionalista de Descartes (1596–1650), extraída
do pressuposto das ideias inatas, nem a noção empirista dos filósofos Francis
Bacon (1561–1626) e John Locke (1632–1704), fundada na noção de que o ser ao
vir ao mundo é como uma tábula rasa, são capazes de darem conta isoladamente
da complexidade da origem do saber e do modo mais adequado de o aprimorar.
No viés racionalista de compreensão do ato de educar, se acha implícita a
ideia segundo a qual a função do professor é fazer com que o estudante “acenda”
(do verbo acender) a luz da racionalidade, ascendendo (do substantivo ascensão)
da sua condição animal à condição humana, isto é, à condição de um animal que se
humaniza por se distinguir dos demais pela posse do logos apodeiktikos como
conceituado pelo filósofo André Comte Sponville (Comte-Sponville, 2011).
Encontram-se implícitas às práticas educativas visões antropológicas das
mais variadas, as quais fundamentam o ato de educar. Trazer à tona as concepções
de pessoa subjacentes aos processos educativos implica na compreensão do sujeito
dos referidos processos, procurando entender como ele compreende a si, ao outro
e suas relações entre si.
Para o propósito de uma reflexão em torno da noção de escola entendida
como um ambiente formador calcado em determinadas visões de pessoa, se lança
mão nesse interim de noções basilares herdadas da concepção clássica grega.
Segundo o filósofo brasileiro Lima Vaz, no âmbito da cultura clássica o ser
humano é compreendido com animal racional, possuidor de logos, que busca se
comunicar, entender os outros seres comunicantes e se fazer entendido pelos
mesmos. Nesse movimento de saída de si ao encontro do outro, que também se
encontra em relação, é que se circunscreve a dimensão política do animal humano.
Como afirma o filósofo “a cultura clássica elabora uma imagem do homem na qual
são postos em relevo dois traços fundamentais: o homem como animal que fala e
discorre (zoón logikón) e o homem como animal político (zoón politikón)(Vaz,
1991, p. 27).
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Em razão disso, esse ser possuidor de logos se manifesta com sua face
política. Esse fato se confirma porque a expressão de racionalidade do animal
humano se pelo viés da linguagem, a qual, por sua vez, se exercita a partir de
suas interações no âmbito da polis, quer dizer, do encontro com a diversidade de
pessoas com pontos de vistas também diversos.
A partir dessas reflexões que enfatizaram a dimensão lógica do ser na
produção do conhecimento e do seu compartilhamento, não se pretende afirmar
nem tampouco negar a idéia de que o ato de educar consista, entre outras coisas,
no de se trabalhar a dimensão lógica e abstrata do ser.
Apenas se pretende ressaltar que o ato de educar precisa levar em conta o
ser como um todo; afinal, ensinar não significa tão somente criar condições
objetivas ótimas para que as pulsões de natureza animal no homem não se
sobreponham à dimensão da racionalidade, impedindo, assim, a aquisição do
saber especificamente humano, isto é, o conhecimento abstrato.
Ademais, educar para além da dimensão objetiva, com simples
memorização de conteúdos, requer abertura para a alteridade, isto é, educar para a
compreensão do outro o incluindo como sujeito do ato de conhecer. Esse processo
de conhecimento implica, por sua vez, relações de alta complexidade entre o
sujeito que conhece e o objeto a ser conhecido.
Conhecer não diz respeito apenas ao ato de recordar o que o indivíduo
hipoteticamente traz consigo (ideias inatas de Descartes), nem tampouco o ato de
se deixar preencher pelos estímulos de sua experiência do mundo (ideia da tábula
rasa de John Locke). Além do conhecimento objetivo existe o que acontece na
relação sujeito a sujeito, chamado de saber intersubjetivo ou compreensivo, uma
vez que não é objetal e por isso mesmo ultrapassa a explicação a qual, por sua vez,
“é bastante para a compreensão intelectual ou objetiva das coisas anônimas ou
materiais, mas é insuficiente para a compreensão humana, pois comporta
conhecimento de sujeito a sujeito” (Morin, 2001, pp. 94 - 95).
Não se busca defender, com essas considerações a primazia ou sobreposição
de uma determinada concepção antropológica ou educativa sobre outra. O que se
quer realçar, de fato, é a existência de uma relação de complementariedade. Nesse
sentido, se apresenta como concepção mais balanceada, engajada e crítica de
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educação, pelo fato de ressaltar a relevância da experiência, sem, contudo, torná-la
absoluta, nem tampouco entendê-la de maneira isolada, aquela desenvolvida pelo
educador brasileiro Paulo Freire (1921 –1997).
Fica claro para esse conhecido intelectual engajado que experiência e ideias
se entrelaçam e se complementam de forma dialética quando em uma de suas
obras mais conhecidas, enfatiza que “é preciso que fique claro que, por isso mesmo
que estamos defendendo a práxis, a teoria do fazer, o estamos propondo
nenhuma dicotomia de que resultasse que este fazer se dividisse em uma etapa de
reflexão e outra, distante de ação” (Freire, 2011, pp. 172-173).
Para se captar a complexidade do ato de educar, oportunizando uma
reflexão sobre os tipos de muros que facilitam ou dificultam a socialização
secundária do indivíduo, isto é, a aquisição de saberes formais,
2
serão
apresentadas algumas das caraterísticas indicativas da delimitação dos espaços no
interior das escolas, sejam como fomentadoras do exercício de uma liberdade
responsável, sejam como limitadoras ou cerceadoras do poder expressivo dos
educandos e dos educadores.
Esses indicativos podem ser captados nas escolhas dos procedimentos e dos
métodos, normas, regras e valores da instituição escolar assim como nos modos de
ocupação ou distribuição dos estudantes nos espaços sicos, aonde acontece o
aprendizado.
De modo geral, a interação entre alunos e professores se em espaços
determinados com propósitos específicos, isto é, em salas de aulas com seus
mobiliários compostos de cadeiras, mesas, portas e janelas, sendo que essas se
acham quase sempre fechadas, mesmo em regiões de clima, preponderantemente,
tropical como o do Brasil.
Outros sinais do delineamento dos espaços no âmbito escolar são os
Projetos Político-pedagógicos, as grades curriculares e os planos de ensino, com
suas ementas, objetivos, unidades de ensino, sistema de avaliação, metodologia e
2 As noções de socialização (primária e secundária) são apresentadas e discutidas na obra “A construção social da realidade”
(Berger; Luckmann, 2008). A primária seria “a primeira socialização que o indivíduo experimenta na infância e em virtude
da qual se torna membro da sua sociedade. A socialização secundária, por sua vez, é qualquer processo subsequente que
introduz um indivíduo, socializado, em novos setores do mundo objetivo da sua sociedade”. Para efeito desse artigo, que
aborda exclusivamente a socialização no âmbito escolar, apresentamos a socialização secundária como a que ocorre nos
grupos de interação a partir da escolarização, e não apenas por meio dela, através de múltiplos procedimentos dos processos
de identificação.
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referências bibliográficas. Além desses, são também sinais da delimitação dos
espaços para o melhor exercício da liberdade na busca do conhecimento, a
distribuição dos tempos entre uma aula e outra, os intervalos para descanso e
alimentação, a presença ordenadora de monitores de disciplina (coordenadores de
disciplinas ou bedéis), além dos sinais sonoros (campainhas, músicas ou sinos)
que demarcam a divisão entre uma aula e outra.
Cabe ressaltar que o retorno do recreio para o aprendizado em sala de aulas
se num corte sonoro que vai de encontro ao ócio recreativo, e que desse modo,
não o insere como parte importante do aprendizado e fonte inspiradora da
criatividade intelectual.
3
Nesse sentido, se pode dizer que o espaço do aprendizado,
ao se restringir à sala de aulas, nega o prazer implícito no ato de busca do
conhecimento dentro e para além dos muros da escola, palavra cujo significado
remonta etimologicamente ao termo grego scholé, com o significado originário de
prazer e satisfação
4
.
Apresentam-se também como parte simbólica dos tijolos destinados à
construção dos muros da escola as normas disciplinares da instituição escolar com
seu caráter tradicional e consequente afirmação não dialética da moral
constituída.
5
Essa ênfase no caráter tradicional da transmissão dos valores
demanda dos alunos uma obediência incondicional às normas disciplinares sem
que sejam envolvidos no seu processo de elaboração. Por essa razão, entre outras,
quando prevalece na escola esse caráter autocrático não participativo de gestão,
muitos alunos não raras vezes se tornam avessos e arredios às normas
disciplinares, descumprindo-as reiteradamente.
A expressão muros da escola, quando entendida de modo negativo, deixa de
significar a delimitação necessária dos espaços para a construção de
conhecimentos e passa a simbolizar o aprisionamento do senso crítico; nesse
sentido negativo, os muros são como símbolos da não realização no aluno da
síntese dialética de sua consciência de si com a consciência do outro.
6
Nesse
3 Considerações relevantes sobre a importância do ócio para o aprendizado humano encontram-se na obra “O Ócio criativo”
(De MasI; Palieri, 2000).
4 Etimologicamente, a palavra escola liga-se ao termo grego scholé, que significa lazer, tempo livre, lugar do ócio, do prazer.
5 A moral constituída indica o legado referente aos valores transmitidos pela tradição (Aranha, 1998, p. 273-282).
6
Essa discussão sobre a formação da consciência crítica a partir da síntese dialética do eu e do mundo pelo sujeito, assim
como a possível deformação da consciência, seja pela atenção unilateral ao mundo, seja pelo enfoque exclusivo no eu,
encontra-se de forma mais minuciosa em Contrin, 2008.
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âmbito se acham os modelos de escolas que incentivam nos alunos posturas
individualistas bloqueadoras da consciência crítica e do desenvolvimento do
espírito de compartilhamento do ser, do saber e do fazer.
Essa cristalização da consciência acrítica nos alunos pode ser consequência
de práticas institucionalizadas de rigidez e autoritarismos no estabelecimento e
execução das normas acadêmicas em detrimento de uma relação mais dialógica,
portanto mais humanizada.
Análise de diálogos do filme “entre lés murs”: aportes para uma
crítica da escola tradicional conteudista e não dialógica
Trechos de diálogos do filme “Entre lés murs” (Entre os muros da escola)
serão analisados com o propósito de uma reflexão crítica sobre a prática didático-
pedagógica docente no âmbito de um modelo tradicionalista de educação. Esse
ideal de ensino é preponderantemente centrado na figura do professor como
transmissor do legado cultural e subvaloriza as experiências de vida acumuladas
trazidas pelos alunos. A compreensão de parte dos diálogos do filme se
fundamentará na perspectiva de radicalidade filosófica que implica na busca da
raiz dos problemas. Noutro viés, o da linguagem psicanalítica, se pode afirmar que
a presente análise de diálogos do filme consistirá, grosso modo, na arqueologia
daqueles conteúdos latentes que se encontram subjacentes aos conteúdos
manifestos no âmbito das falas de alguns dos protagonistas.
Para início da reflexão sobre as interações no âmbito da escola a partir de
alguns dos diálogos do filme em análise, cabe salientar que as considerações sobre
a positividade e a negatividade contidas nos diversos sentidos da expressão muros
da escola realçam muito mais a ideia de barreiras, impedimentos e cerceamento da
liberdade do que a noção de espaços favoráveis ao exercício da autonomia. Para
esse propósito serão realizadas considerações críticas sobre alguns diálogos
presentes no filme, aplicando-as àquela parcela da escola brasileira que ainda se
vincula às práticas didáticas não dialógicas.
O filme documentário Entre les murs”, traduzido para o português “Entre
os muros da escola”, aborda a experiência de um professor de ensino fundamental
que precisa lidar com situações recorrentes à falta de interesse e de indiferença da
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turma em relação ao conteúdo de sua disciplina. Trata também das diferenças
sociais e do choque entre as culturas africana, árabe, asiática e europeia dentro das
quatro paredes (dos muros) da sala de aulas de uma escola da periferia da cidade
de Paris, França.
O filme retrata fatos que professores vivenciam com frequência na sua lida
cotidiana como as situações de desrespeito por parte daqueles alunos que, por
exemplo, se negavam a usar o uniforme, a tirarem o boné durante as aulas, a
persistirem com conversas paralelas. Trata de alunos que, no cotidiano da sala de
aulas, assumem atitudes consideradas inadequadas para o aprendizado, como
brincar de “briga de papel” e até mesmo “brincar de rir uns dos outros”.
No filme, alguns diálogos chamam a atenção em especial, seja por
possibilitarem uma inflexão reflexiva em torno de situações vivenciadas por alguns
professores no exercício de sua profissão, seja por alertarem para a necessidade de
revisão das práticas didático-pedagógicas limitantes. Serão apresentados, em
seguida, alguns diálogos do filme que possibilitam uma reflexão sobre as
intervenções dos educadores como formadores de opinião no interior das
instituições escolares.
O primeiro diálogo escolhido para esta provocação reflexiva no âmbito do
filme se refere a fala de um professor da disciplina Tecnologia, quando traçava,
para seus pares, um perfil dos seus alunos. Na íntegra, o professor desabafa: “me
cansei desses palhaços. Não mais. Eles não são nada. Não sabem nada. Ficam
ignorando a gente”.
O desabafo do professor transcrito acima levanta alguns questionamentos.
O primeiro deles é: por que esses alunos são chamados de palhaços? Seria pelo fato
de quererem brincar em sala de aulas ao invés de estudarem, ou por serem
espontâneos e por se movimentarem?
Como exigir que adolescentes de 16 anos de idade consigam permanecer
sentados em carteiras enfileiradas, dentro de uma sala apertada e com pouca
ventilação? São chamados de palhaços pelo fato de acharem as aulas monótonas,
repetitivas e formais e terem que assimilar conteúdos que o encontram
ressonância ou significados plausíveis no dia a dia de suas vidas? Emergem dessa
situação-problema algumas perguntas, entre elas, qual seria a motivação pessoal
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desses alunos para o aprendizado e qual a razão e a importância para aprenderem
determinado conteúdo, desse ou daquele modo? Se esses alunos não estiverem
conscientes de suas motivações para a assimilação de determinado conteúdo, isto
é, se não se souberem para que e por que precisam aprender o que lhes é proposto,
dificilmente se engajarão com afinco no processo de recepção do novo
conhecimento uma vez que “o processo de aprendizagem depende da razão que
motiva a busca de conhecimento” (Kupfer, 1995, p. 79).
Outra fala do professor de Tecnologia, acima mencionado, é relevante para
a presente reflexão. Trata-se do fato da rotulagem, quase sempre permeada de
juízos de valor travestidos de juízos de realidade, expectativas generalizadoras,
falaciosas e preconceituosas. Eis na íntegra, os juízos valorativos emitidos de modo
explícito pelo referido professor, a respeito de seus alunos: “eles são tão baixos, tão
ruins; vivem aprontando. Merecem continuar no seu bairro fedido. É aonde o
passar o resto da vida e vai ser bem feito”.
A terceira fala que merece ser registrada e comentada, uma vez que
carregada de emoção e preconceito, é a seguinte: “já viram como eles ficam no
pátio? Parece que estão no cio. Ficam pulando e gritando como animais. É um
absurdo. Até na sala. Dou aula cinco anos e nunca vi isso. Não, chega! Acabou!
Não somos bichos”. Provavelmente, os professores sabem da importância de
algumas posturas em sala ou fora dela que facilitam a concentração, a
memorização de conceitos, o desenvolvimento do raciocínio e do aprendizado. É
certo que alguns muros ou delimitações se apresentam como facilitadores do
aprendizado e precisam ser levadas em conta.
Esses muros, no sentido de limites ou delimitações, poderiam nascer de
pactos, acordos dialógicos entre os educadores e suas turmas no sentido de
direcionarem melhor os esforços para melhor internalização do conhecimento
almejado. Os tijolos desses muros de apoio para o ensino e a aprendizagem não
deveriam ser pensados solitariamente pela escola na pessoa do seu diretor,
coordenador pedagógico, orientador disciplinar ou mesmo do professor, de modo
autocrático. Pelo contrário, deveriam ser pensados coletivamente, de forma
dialógica, envolvendo corpo docente, discente e mesmo o administrativo.
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É preciso salientar, a partir das considerações acima, a relevância da
percepção da concepção de ser humano que serve de base aos critérios adotados ou
acordados para o gerenciamento dos meios necessários à parturição do
conhecimento.
No caso da fala do professor de Tecnologia relatada no filme “entre os
muros da escola”, e comentada acima, se trata de uma concepção estática do ser
humano. Esse tipo de concepção unida à expectativa do ensino/aprendizagem por
meio da imobilidade supõe ser natural que jovens e adolescentes contenham ou
reprimam seus movimentos em função do aprender. Se não o fazem, é porque algo
está errado com eles e precisa ser corrigido.
Quem endossa a expectativa de não movimento do ser, especialmente de
jovens em fase de crescimento, no bojo da inquietação existencial, desconhece ou
desconsidera que o estranho seria que esses jovens não fossem barulhentos e
ficassem quietos para que algo do que se lhes ensina não desviasse o rumo
pretendido pelo mestre. Sim, o que se percebe é que, de modo geral, esses jovens
se movimentam e querem que suas perguntas sejam respondidas, mesmo que a
princípio pareçam non-sense.
Muitas das vezes são imediatistas e querem, por certo, que todas suas
dúvidas sejam respondidas de imediato. Almeja-se que o educador tenha a
consciência de que os imediatismos desses jovens buscadores de conhecimento
fazem parte de sua condição de pessoas que experimentam o fervilhar de emoções
e ideias que se lhes manifestam sob a forma de desejos. Esses desejos que pedem
realização imediata certamente se aquietarão prevalecendo o equilíbrio e a
capacidade da espera possibilitados pela maturidade que vem através do tempo.
Uma pergunta que emerge dessa questão do barulho dos jovens em sala de
aulas é a seguinte: qual o conteúdo latente desse barulho manifesto que atrapalha
a aula do professor? Não estariam esses alunos buscando um meio de dizer algo a
respeito de sua desmotivação e desinteresse pelo conteúdo ensinado, isto é, como
se estivessem dizendo sobre a forma de pergunta: “para que eu devo aprender
isso”?
Nas práticas corriqueiras de ensino, muitas vezes aprender significa
memorizar os conteúdos ensinados sem percepção da pertinência ou não dos
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mesmos para a realidade dos educandos. Muitas vezes os conteúdos ensinados não
fazem sentido para a realidade vivida pelos alunos; ou, quando o fazem,
respondem a dimensões estritamente intelectivas do ser, não sendo capazes de
atingirem às outras dimensões da pessoa, como por exemplo, as afetivas.
O aluno pode se sentir atingido intelectualmente, mas não existencialmente,
isto é, na integralidade do seu ser. No caso do filme, percebemos que algumas das
indisciplinas dos alunos na aula de Francês estavam relacionadas ao fato de não
perceberem uma ligação do que era lhes era ensinado com suas formalidades e
especificidades gramaticais, com o mundo da vida, isto é, levava-se pouco em
conta a língua no seu contexto, prenhe de sentido e de comunicabilidade.
A quarta e última fala do filme, escolhida para esta análise, aborda de modo
crítico o ensino-aprendizagem como pura transmissão formal de conhecimento.
De um lado se encontra o sujeito informado, ativo, o professor, que pretensamente
detém a luz do conhecimento a ser transmitido. Do outro lado, está o sujeito
desinformado, passivo e sem a luz do conhecimento, o aluno, uma tabula rasa.
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O
que essa postura não enxerga é o fato de que o aluno tem sua história e
conhecimentos prévios que devem ser levadas em conta para que os conteúdos
ensinados sejam relevantes e compreendidos como tal.
Não basta que alunos e professores saibam como se aprende, ou que
busquem aprender a aprender. É importante, sobretudo, que eles saibam por que
eles aprendem o que lhes é ensinado. Nesse sentido, a educação passa a ser
entendida como amálgama de técnica e de arte com o objetivo de ensinar as
pessoas a verem, muito além das linhas, isto é, nas entrelinhas dos textos e seus
contextos. Não se deve esquecer também que por textos entendemos não apenas
registros acadêmicos, fala e escrita.
A vida como um todo, tanto do aluno como do professor, com sua história
pregressa e sonhos são textos vivos que precisam ser levados em conta e
decodificados. A fala que se segue, extraída do filme Les murs, exemplifica as
7
Essa expressão de origem latina, usada por Locke (1632–1704) e por Leibnitz (1646–1716), buscava responder à relação
entre o que é inato e o que é adquirido na pessoa. Locke assume a crença de que o ser humano nasce como uma tábula rasa
sendo que os conhecimentos a ele atribuídos seriam adquiridos pela experiência. Leibnitz, por sua vez, postulava que o ser
humano vinha ao mundo com alguns elementos inatos, como as ideias de causa e de número, entre outras.
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reflexões precedentes. Trata-se de um diálogo em sala de aulas entre uma
adolescente africana chamada Khoumba, de 13 anos de idade, e seu professor de
língua francesa. Eis a fala na íntegra:
- “Quem tem 13 anos não tem nada para contar”
- “Não sei. Com 13, 14 ou 15 anos, acho que vocês têm histórias.
Engraçado vocês não acharem suas vidas interessantes”.
- “A gente vem pra escola, volta pra casa e dorme”.
- “Mas o que você sente é”
- “Isso é coisa minha”
- “E se eu dissesse que isso me interessa”?
- “Mas isso é um caso especial. Só porque você é professor”
- “Não é o professor que está falando aqui”
- “Mas é o seu trabalho. Só está falando isso porque quer que a gente
escreva. Não é verdade que o senhor está interessado em saber”
- “Acha que estou inventando, que não me interesso por vocês, que estou
armando isso apenas para convencer vocês que é interessante”?
- “Não tanto quanto tenta fazer parecer”.
No diálogo acima, tendo em vista o ato de educar, o professor percebe a
importância de se levar em conta o mundo da vida de seus alunos, isto é, suas
histórias, explicitando que ele se importa e que não é indiferente. O professor
acredita que sua postura motiva o aprendizado do conteúdo ensinado, a língua
francesa. Ele se importa. Não concebe o aprendiz como uma tabula rasa, mas o
aluno não percebe assim, pois tem uma sensação interna que o professor está
apenas realizando um “jogo”, representando um “papel”. Para o aluno, de fato, seu
professor não está interessado em sua história pessoal.
O cerne da questão nessa análise não é nos posicionar do lado do professor e
dizer: "tudo indica que esse aluno se importa", mas perguntar "por que aquele
aluno não se sente motivado nem valorizado como pessoa e tem a sensação de que
o professor de fato não se importa com ele e está apenas representando um papel"?
Outra pergunta a se fazer seria "o que é valor e o que significa valorizar não
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apenas para o professor, mas também para o aluno, uma vez que ambos vêm de
culturas distintas, têm idades diferentes e se encontram em distintos estágios de
desenvolvimento cognitivo e moral?
Para aprofundar a problemática da valorização e motivação dos alunos,
seguem algumas considerações de pais de alunos, professores e equipa técnica da
escola a que faz referência o filme “Entre les murs”. As ideias tematizadas nesse
interim dizem respeito a uma proposta alternativa de avaliação que busca motivar
os alunos para o aprendizado.
O contexto é o seguinte: após a volta dos alunos das férias escolares, a escola
constatou um aumento de problemas disciplinares entre os alunos e percebeu que
a costumeira punição não estava funcionando mais. Por esse motivo, reunidos com
alguns pais, professores e equipa técnica propuseram um novo sistema avaliativo
que conseguisse valorizar mais os alunos. Esse “novo sistema” se fundamentava no
“sistema de perda de pontos da carteira de habilitação” via infrações. A cada aluno
seriam distribuídos seis pontos. Os seus atos de indisciplinas fariam com que
perdessem aos poucos esses pontos iniciais. Ao chegar ao zero ponto, o aluno seria
encaminhado ao Conselho Disciplinar.
A partir da proposta apresentada acima, algumas considerações dos pais e
professores nos podem ser úteis para uma reflexão em torno dessa nova medida
avaliativa que tinha como objetivo estimular os alunos a serem mais disciplinados,
criando naquela escola um clima mais favorável ao aprendizado:
- Mãe: “mas vocês seguem o mesmo modelo anterior; pensam mais em
punir e não em valorizar os alunos”
- Professor: “os alunos é que devem se valorizar. Eles se valorizam ao tirar
boas notas, ao passar de ano. E nós os valorizamos no Conselho de Classe,
estimulando os que estão bem com medalhas de honra e elogios.
- Mãe: “Nesse novo sistema, vocês vão tirar pontos de quem não se
comporta. Mas, para melhorar, por que não premiam que se comporta bem?
As falas acima foram escolhidas com o objetivo de possibilitar uma reflexão
sobre a preocupação da escola em criar condições favoráveis ao aprendizado.
Nesse caso, a proposta de pontuação e perda progressiva dos pontos objetivaria
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motivar os alunos para a disciplina, como o próprio nome sugere, isto é, torná-los
discípulos ou seguidores. No entanto, quem segue, segue algo, alguém, ou uma
proposta de alguém ou de um grupo de pessoas.
Aqui se problematiza o seguinte: como elaborar propostas para outros sem
que esses participem do processo, sem que discutam as razões para a elaboração
desses ou daqueles procedimentos? Se os destinatários dos procedimentos não
forem integrados na elaboração dos mesmos, não é possível saber se o
procedimento de fato cumprirá seus objetivos, motivando os alunos a serem
capazes de negociar com os outros os seus desejos, também legítimos: por
exemplo, o de se movimentarem em sala e no pátio de forma desordenada, de
lancharem, usarem boné, atirarem papéis nos colegas em sala ou outras atividades
lúdicas.
A capacidade de negociação com o imediatismo de alguns desejos mais
prazerosos não pode implicar em atitudes repressivas dos mesmos, seja por parte
do próprio aluno ou da escola, pois repressão por si é um ato “não razoável” e uma
ação que não funciona a médio e longo prazo, pois não forma sujeitos autônomos.
A capacidade de negociação da escola com os desejos imediatos dos seus
alunos pode ser eficaz se supuser não a simples negação dos desejos dos mesmos,
mas a suposição do fortalecimento da vontade de cada um dos seus educandos.
Isso implicaria em se estabelecer canais racionais e razoáveis de diálogo que os
auxiliasse, através do debate de ideias, a ampliação da capacidade de negociarem
constantemente com seus desejos, o que se daria a partir do conhecimento das
razões e dos porquês das escolhas dos seus objetos de desejo, capacitando-os para
priorizarem uns desejos e adiarem outros, por razões conhecidas, discutidas e
internalizadas como valor.
À guisa de considerações finais
Esse artigo realizou, no seu conjunto, provocações reflexivas sobre a questão
dos muros da escola, trazida à baila pelo filme Entre lês murs, de Laurent Cantet e
baseado no livro do professor francês François Bégadeau. A presente abordagem,
de caráter filosófico, inquiriu sobre uma pequena parte da problemática da escola
nos dias atuais, especialmente a relação professores-alunos, partindo de
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indagações que se propuseram radicais, indo às raízes dos problemas levantados,
rigorosas, contextualizando os problemas vivenciados pelos educadores e pelos
educandos no seu complexo processo de ensino-aprendizagem, e com uma visão
de conjunto da situação vivida.
Além das considerações críticas sobre as práticas acadêmicas tradicionais
no contexto da escola contemporânea, o texto apresentou pontos de vista críticos
sobre alguns diálogos do filme Entre lês murs que trouxeram luz aos múltiplos
desafios enfrentados pela escola atual no que diz respeito, sobretudo, à lida com a
questão da diversidade sócio-cultural dos alunos.
Em suma, foram apresentadas reflexões sobre a importância do ato de
educar e para tal, a relevância de abordagens de ensino/aprendizagem capazes de
fomentar o empoderamento dos estudantes e sua participação na construção do
conhecimento. As reflexões se apresentaram como subsídios para o
enriquecimento das práticas educacionais de modo geral, convocando as escolas a
revisitarem suas posturas didático-pedagógicas, substituindo as autoritárias e
descontextualizadas por práticas mais dialógicas e contextualizadas educacionais
de modo geral, convocando as escolas a revisitarem suas posturas didático-
pedagógicas, substituindo as autoritárias e descontextualizadas por práticas mais
dialógicas e contextualizadas.
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International License. Ao submeter o manuscrito o autor está ciente de que os direitos de autor
passam para a Revista Científica do ISCED-Huíla.
Recebido em 17 de Agosto de 2020
Aceite em 07 de Outubro de 2020