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ENTREVISTA
Reestruturação do Ensino Superior e os Novos Espaços para a Extensão
Universitária em Angola
Restructuring of higher education and new spaces for university extension in
Angola
Reestructuración de la educación superior y nuevos espacios de extensión
universitaria en Angola
Eugénio Adolfo Alves da Silva1
Ministério do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação, Angola
eugenio.silva957@gmail.com
Felizardo Tchiengo Bartolomeu Costa2
Escola Superior Pedagógica do Bengo, Angola
felicosta_4@hotmail.com
Carlos Cabombo do Nascimento Miguel3
Escola Superior Pedagógica do Bengo, Angola
ccnm75@hotmail.com
Resumo
Nesta entrevista, o Secretário de Estado para o
Ensino Superior aborda a questão da
reestruturação do Ensino Superior e da urgente
necessidade de actualização das normas que
regulam o subsistema de Ensino Superior, por
formas a adequá-lo às necessidades do
desenvolvimento do país. Reitera a importância
da extensão como acção que se articula com as
outras funções da universidade,
intencionalmente, seguindo processos de
institucionalização de projectos, articulação
com o ensino e investigação, busca de parcerias
e mobilização dos docentes, estudantes.
Defende que a extensão não tem necessidade de
ser curricularizada, sem negligenciar a
necessidade de organização, planeamento e
controlo. Fala da importância de identificar as
boas práticas de extensão para que se tomem
como referência e destaca, nessa direção, a
Conferência Internacional de Extensão
1
Entrevistado. Doutor. Secretário de Estado para o Ensino Superior.
2
Entrevistador. Doutor. Director Geral-Adjunto para Área Científica. Docente do Departamento de Ensino, Investigação e
Extensão de Ciências da Educação.
3
Entrevistador. Mestre. Chefe do Departamento de Ensino, Investigação e Extensão de Letras Modernas.
Universitária organizada pela Escola Superior
Pedagógica do Bengo.
Palavras-chave: reestruturação do Ensino
Superior, extensão universitária em Angola,
curricularização da extensão.
Abstract
In this interview, the Secretary of State for
Higher Education addresses the issue of
restructuring Higher Education and the urgent
need to update the norms that regulate the
Higher Education subsystem, in order to adapt
it to the needs of the country's development. It
reiterates the importance of extension as an
action that it´s articulated with the other
functions of the university, through intentional
action of managers, following processes of
institutionalization of projects, articulation
with teaching and research, seeking
partnerships and mobilizing teachers, students
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and other actors. About curricularization, he
argues that, by its nature, extension does not
need to be curricularized, without neglecting
the need for organization, planning and control.
He talks about the importance of identifying
good extension practices so that they can be
taken as a reference and highlights, in this
direction, the International Conference on
University Extension organized by the Escola
Superior Pedagógica do Bengo.
Keywords: restructuring of higher education,
extension in Angola, curricularization of
extension.
Resumen
En esta entrevista, el Secretarío de Estado de
Educación Superior aborda el tema de la
reestructuración de la Educación Superior y la
urgente necesidad de actualizar las normas que
regulan el subsistema de Educación Superior,
para adecuarlo a las necesidades del desarrollo
del país. Reitera la importancia de la extensión
como acción que se articula con las demás
funciones de la universidad, a través de la
acción intencional de los gestores, siguiendo
procesos de institucionalización de proyectos,
articulación con la docencia y la investigación,
buscando alianzas y movilizando a docentes,
estudiantes y otros actores. Sobre la
curricularización, sostiene que, por su
naturaleza, la extensión no necesita ser
curricular, sin descuidar la necesidad de
organización, planificación y control. Habla de
la importancia de identificar buenas prácticas
de extensión para que puedan ser tomadas
como referencia y destaca, en esta dirección, el
Congreso Internacional de Extensión
Universitaria organizado por la Escola Superior
Pedagógica do Bengo.
Palabras clave: reestructuración de la
educación superior, extensión en Angola,
curricularización de la extensión
Entrevistadores: Qual é a sua
percepção sobre o processo de
reestruturação do Ensino Superior
e a consequente aprovação do
respectivo Regime Jurídico?
Entrevistado: Esse processo é necessário
e urgente, porque se tornou imperativo
actualizar as normas gerais reguladoras
do subsistema de Ensino Superior, que
estavam desajustadas. Trata-se de
concretizar o princípio do carácter binário
do Ensino Superior, a sua organização
unificada e resgatar o ensino politécnico
para conferir dignidade e utilidade ao
Ensino Superior (ES) e para adequar a sua
missão às necessidades do
desenvolvimento do país. É sobejamente
sabido que o ES constitui o pilar desse
desenvolvimento, não apenas por via da
formação de profissionais, mas também
por via do conhecimento, da tecnologia e
da inovação cuja sede está nas
Instituições de Ensino Superior (IES) e
nas Instituições de Investigação e
Desenvolvimento (II&D).
O Regime Jurídico do subsistema de
Ensino Superior é um instrumento que
dispõe sobre a organização deste
subsistema, define regras para a criação,
organização, funcionamento, autonomia,
atribuições e competências dos órgãos e
serviços das IESe clarifica a relação de
superintendência, fiscalização e avaliação
do Estado sobre as mesmas.
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O Regime Jurídico vem conferir uma nova
feição ao ES, permitindo ajustar a
estrutura e a missão das IES às exigências
do desenvolvimento socioeconómico do
nosso país. Clarifica a natureza das IES
segundo o carácter universitário ou
politécnico, o que obriga a rever a sua
oferta formativa, com incidência nas de
cariz politécnico. Além disso, contribui
para o reforço das IES, em termos de
capacidade de gestão, capacitação do
corpo docente, melhoria das
infraestruturas e regulação dos cursos da
rede pública.
Esse Regime Jurídico é a base para
estabelecer o equilíbrio da rede em
termos de IES, promovidas pelo Estado e
as promovidas por entes privados. Ele
permite reafirmar a autonomia das IES
que é um princípio fundamental do seu
funcionamento e da sua relação de
superintendência com o Ministério do
Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e
Inovação (MESCTI). No essencial, ajuda
no estabelecimento da nova estrutura
orgânica das IES, visando conferir-lhes
eficácia e eficiência e impele-nos a
realizar a avaliação institucional
(incluindo a avaliação do desempenho)
como base para contribuir na melhoria da
qualidade do desempenho das IES.
Uma grande inovação tem a ver com o
sistema de eleição do Titular do Órgão
Executivo de Gestão (Reitor nas
Universidades e Academias de Altos
Estudos, Presidente nos Institutos
Superiores, Director Geral nas Escolas
Superiores e Decano nas Faculdades),
bem como a criação de um órgão máximo
colegial de gestão nas IES, designado
Conselho Geral. Pretende-se, com isto,
consolidar a dimensão democrática da
gestão nas IES e incrementar a
participação dos actores organizacionais.
Tendo em conta o novo panorama
jurídico-legal, qual poderá ser, em
sua opinião, o lugar da extensão
universitária, no âmbito dos
pilares da universidade, quanto à
organização e operacionalização,
curricularização, financiamentos e
outros incentivos?
A extensão universitária é a dimensão da
actividade das IES que dá sentido asua
função social na medida em que expressa
o compromisso daquelas com a
comunidade onde estão inseridas. Ela
ocupa, portanto, um lugar charneira,
agora talvez mais articulado com as
outras funções, na medida em que a
extensão pode ser o campo de aplicação,
ensaio, experimentação e concretização
de projectos de ensino e de investigação.
Aqui, cumpre-se o seu objectivo de fazer
com que as outras funções se estendam
para além da sala de aula ou do
laboratório, viabilizando a relação entre a
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teoria e a prática, a aprendizagem e a vida,
a instituição e a comunidade.
A sua concretização exige uma gestão
intencional por parte dos órgãos de gestão
da IES, mediante a identificação de
projectos estruturantes que permitem a
sua articulação com o ensino e a
investigação, que exijam a constituição de
parcerias com agentes da comunidade e
que mobilizem docentes e estudantes e
outros actores externos, tendo em conta o
contributo que a IES pode prestar para a
solução de problemas da comunidade.
Do ponto de vista da organização, a
questão consiste em identificar projectos
e acções, que podem ser sugeridos por
docentes e alunos ou até mesmo por
agentes da comunidade, planear as
actividades em conjugação com estes,
mobilizar recursos, realizar as
actividades, controlar a sua execução e
prestar contas. O importante é que as
actividades sejam relevantes e pertinentes
quer para a IES, quer para a comunidade
envolvente.
De algumas acções de extensão, podem
resultar trabalhos de fim de curso e
publicações que darão visibilidade à
instituição, cumprindo-se o vínculo entre
a aprendizagem teórica e a aprendizagem
prática, de tal forma que se consiga
consolidar, nos estudantes, as
competências de acção tão requeridas no
contexto profissional.
Reconheço que não necessidade de
curricularizar a extensão, pois seria
contrário ao seu espírito. Ela é sempre,
por definição, a extensão do currículo.
Precisa é de suficiente organização,
planeamento e controlo, da mesma
preocupação por parte dos órgãos de
gestão da IES. que deixar que docentes
e estudantes proponham actividades,
sendo exigível avaliar a sua relevância e
pertinência, definir prioridades e
envolver parceiros externos.
A extensão pode ser feita intra-muros,
com realização de actividades de vária
natureza, nas IES, nas quais as pessoas da
comunidade vêm, assistem e participam.
Também pode ser realizada extra-muros,
em contextos comunitários e
organizacionais, com actores sociais que
possam beneficiar das acções e contribuir
para o êxito dos projectos da IES.
Estamos perante duas versões: uma
“versão fraca”, concebida na lógica de
oferecer um serviço à comunidade
(tomada como beneficiária), e uma
“versão forte”, na qual os membros da IES
e os actores da comunidade concebem e
realizam actividades em conjunto e, de
preferência, na própria comunidade.
Além disso, o currículo não é tão flexível
nem abrangente como se supõe ou como
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se deseja. Ele cinge-se às competências
definidas no perfil de saída de cada curso
e isso circunscreve-o, limitando a inclusão
de conteúdos ou actividades não
previstos. Esse perfil pode ser ampliado,
melhorado e consolidado mediante
actividades de âmbito extra-curricular,
algumas das quais podem ser inscritas na
esfera da extensão universitária.
Não existem ganhos em curricularizar a
extensão, pois isso retirar-lhe-ia o seu
carácter intrínseco o de permitir
realizar acções circunstanciais,
pertinentes, livres de constrangimentos
curriculares, nem sempre planeadas. A
extensão justifica-se enquanto espaço
para complemento curricular e como
factor de enriquecimento do perfil de
saída dos diplomados.
É preciso respeitar a lógica dos processos
curriculares e dos processos
extracurriculares. Eles não se substituem,
apenas se complementam, pelo que, a
melhor estratégia é a da
complementaridade, concebendo
actividades extra-curriculares que
enriqueçam o currículo. Aqui reside a
vantagem da não curricularização da
extensão universitária que, além disso,
permite visibilizar melhor a instituição.
O currículo é, geralmente, encarado como
algo fechado, muito sério, limitado ao
espaço académico, acessível a poucos,
difícil de apreender e reservado aos
académicos. É gerido e cumprido segundo
uma estrutura rígida de horários, turmas
e actividades. Curricularizar a extensão é
conferir-lhe um carácter formal, forçado e
fechado, o que é incompatível com o seu
carácter aberto, comunitário e “livre”, ou
seja, dependente da vontade e do
interesse dos actores envolvidos e da
utilidade social e académica das acções.
Devido aos seus efeitos imediatistas, a
extensão permite, através da interacção
entre “os de dentro” e “os de fora”, a
realização de actividades úteis e das quais
pode resultar algum efeito positivo para
os envolvidos, daí advindo o
reconhecimento do mérito das acções e
dos seus actores. Em última instância,
resulta na visibilização externa da IES e
na possibilidade de esta deixar uma
marca positiva duradoura na
comunidade.
Portanto, que destacar aqui uma
dimensão importante da extensão
universitária e que não encontramos tão
visivelmente expressa no ensino e na
investigação. Refiro-me ao potencial de
mudança ou de transformação da
realidade sobre a qual se intervem.
Geralmente, o que justifica as acções de
extensão é a necessidade de introduzir
mudanças no contexto, de resolver
problemas, de capacitar as pessoas para a
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vida e a cidadania, ou seja, de alterar um
determinado statu quo que se percebe não
ser satisfatório. Em contrapartida, as
mudanças desejadas por via do ensino são
mais demoradas e a investigação nem
sempre produz efeitos imediatos dada a
necessidade de comprovar ou testar os
resultados até que possam ser
generalizados e aplicados na comunidade.
Quanto ao financiamento, importa referir
que as actividades das IES devem ser
suportadas pelo seu orçamento e pelas
receitas resultantes da prestação de
serviços ou de patrocínios para
actividades específicas. É preciso
encontrar fontes de financiamento
alternativas ao sempre parco orçamento
disponível, na base de projectos que
interessem aos parceiros e aos
destinatários das acções. Muitas
actividades de extensão não são
realizadas sob a alegação da ausência de
recursos financeiros, mas é preciso
garantir, para as actividades relevantes, a
verba necessária para a sua viabilização,
recorrendo, se necessário, a apoios de
parceiros da comunidade.
Sobre incentivos, mais do que os de
natureza financeira ou material, vale a
pena referir os que decorrem do
reconhecimento do trabalho realizado nas
e com as comunidades, dos resultados
alcançados e que são o orgulho dos
participantes, e os que se traduzem nos
laços de amizade e camaradagem que
ficam depois de um trabalho em conjunto.
A actividade de extensão envolve
expectativa, confiança mútua, trabalho
colaborativo e partilha de recursos.
Destina-se a operar mudanças nem
sempre fáceis de conseguir. Por isso, o
melhor incentivo é a sensação de se ter
alcançado algo que tenha contribuído
para mudar a vida de pessoas e de
comunidades
A extensão universitária é
conhecida por desempenhar um
papel importante na articulação
entre universidade, comunidade e
Estado, para a resolução de
problemas sociais. Como vê esta
articulação no contexto angolano?
Não dúvida que, por via da extensão
universitária, se consegue esta
articulação, desde que bem pensada e
coordenada, e baseada em projectos com
relevância social. A IES deve inserir, no
seu Plano de Actividades, todas as que
realizar nas várias vertentes da gestão e
deixar o espaço necessário para incluir
as de extensão. Estas devem merecer a
mesma preocupação que é dedicada às do
ensino, às de investigação, às de avaliação
etc., devendo beneficiar, se necessário, da
existência de uma estrutura dedicada à
extensão universitária.
registo de várias IES que têm realizado
actividades de extensão interessantes e
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com impacto social, muitas delas
articuladas com disciplinas curriculares,
com trabalhos de fim de curso e com
projectos de investigação. Isso prova que
é possível promover essa articulação e
dedicar energia e recursos às actividades
de extensão universitária e demonstra
que se pode potenciar o estreitamento de
relações entre a IES e a comunidade. O
Estado pode ser aqui chamado, por via da
participação de docentes e alunos em
actividades, a realizar em instituições ou
organismos da Administração blica,
mas a extensão também pode ser
efectuada com organizações empresariais
e da sociedade civil, em particular com
associações locais, cooperativas e ONG,
numa lógica de parceria com benefícios
mútuos.
A base dessas actividades reside na
identificação de problemas ou
necessidades específicas de grupos sociais
ou de organizações e que possam ser
convertidas em planos de acção, que
mobilizem docentes e estudantes das
áreas respectivas. Essas actividades
também se constituem em instâncias de
aprendizagem, de formação profissional e
de educação cívica, conferindo à extensão
universitária uma importância primordial
na formação humanista dos profissionais
a serem formados pelas IES.
As nossas IES ainda funcionam segundo
um paradigma tradicional de acção: de
dentro para fora, fechadas no seu espaço
académico, não lhes permitindo
apropriarem-se do espaço público nem de
exercerem a sua influência. Ora, a
extensão é a melhor forma de levar as IES
a abrirem-se para o meio envolvente, de
forma a terem uma capacidade de
intervenção na solução dos problemas
sociais. assim o conhecimento
produzido torna-se útil e relevante e
desta forma os docentes e investigadores
concretizam a dimensão social da sua
actividade académica. Deste modo,
teremos IES verdadeiramente
interventivas e transformadoras
De que forma o MESCTI monitora
as iniciativas e práticas de extensão
universitária ao nível das IES do
País?
A monitorização das actividades de
extensão, por parte do MESCTI, é
realizada através de relatórios de
actividades enviados pelas IES, nos quais
relatam as actividades desenvolvidas.
Temos constatado a realização de
actividades interessantes, por várias IES,
o que prova que é possível materializar
esta função, com liberdade, com
criatividade e com responsabilidade.
Entendo que a extensão universitária é a
expressão da responsabilidade social das
IES no que se refere à sua ligação com a
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comunidade onde estão inseridas, pois a
acção de uma IES não se pode limitar a
formar profissionais. Os gestores das IES
têm de se perguntar que impacto directo
elas podem ter na comunidade em que
estão inseridas.
Qual é a cobertura destas
iniciativas de extensão nas IES, ou
seja, é possível fazer uma
estimativa dessas iniciativas e do
seu alcance e impacto social?
Não é possível fazer uma cobertura cabal
destas iniciativas sem um actualizado e
exaustivo levantamento das actividades
desenvolvidas pelas IES. Sabemos que
existem muitas e diversas iniciativas e
actividades, mas algumas delas não são
devidamente relatadas pelas IES. Por
outro lado, nem sempre as IES valorizam
as actividades realizadas, o que as remete
para um lugar secundário e de menor
importância. Deste modo, os actores
institucionais envolvidos não se vêem
reconhecidos e os efeitos das actividades
de extensão são menosprezados.
A política a seguir deve ser a de identificar
boas práticas que possam servir de
referência nacional e, nesse contexto,
promover a sua divulgação e partilha
pelos gestores académicos. A realização
de eventos académicos como as
conferências, que a Escola Superior
Pedagógica do Bengo realiza, constitui
uma oportunidade ímpar para essa
partilha. Por outro lado, que procurar
inscrever a extensão nas prioridades de
gestão das IES, tornando possível o seu
acompanhamento e prestação de contas.
Um dos desafios ou entraves da
extensão universitária, em Angola,
parece ser a pouca experiência das
IES, neste quesito. Como pensa que
se poderá resolver essa situação?
Não creio que exista falta de experiência
nas IES. Quanto muito, pode ser falta de
iniciativa, de criatividade ou de
preocupação com esta matéria. Creio que
existe uma noção de que as actividades de
extensão podem acontecer
expontaneamente, em função das
circunstâncias ou das oportunidades e,
nesta base, podem ocorrer fortuitamente.
O que importa, aqui, é considerar que a
extensão deve ser objecto de planificação,
na base da identificação de necessidades
que poderão dar origem a projectos a
inscrever num plano de acção.
A situação será resolvida se os gestores
conferirem à extensão universitária a
mesma importância que dão às
actividades de ensino e de investigação, o
que os obrigaria a incluírem a extensão no
plano anual de actividades e a procurarem
alocar recursos financeiros.
Existem, efectivamente, muitas iniciativas e
experiências de extensão universitária, nem
sempre divulgadas, nem sempre partilhadas.
As IES ainda funcionam muito como ilhas,
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isoladas umas das outras. Isso impede o
conhecimento e a visibilização dessas
iniciativas bem como o desenvolvimento das
IES mais novas. Uma revista como esta pode
servir de plataforma para a análise das
experiências de extensão universitária e sua
partilha no seio da comunidade académica.
Pode-se dizer que a extensão
universitária, em Angola, enfrenta
o seguinte dilema: “Não a
realizávamos de forma expressiva
antes da pandemia, mas queremos
incrementá-la agora, por força do
novo Regime Jurídico, numa
situação que obriga à
reestruturação da vida social,
cultural, económica, etc”. Será que
haverá condições para realizar a
extensão nesse contexto e por meio
de que estratégias?
É evidente que a extensão universitária,
tal como as outras actividades, requer a
existência de adequadas condições de
realização. Ela assenta na interacção
entre diferentes actores institucionais, em
contextos que permitam viabilizar as
interacções. Em condições normais de
funcionamento das IES, várias delas não
lhe davam a devida importância, alegando
diferentes razões para não realizarem a
extensão. Fica claro que, sob restrições
inerentes às medidas de biossegurança e
de distanciamento físico, decorrentes da
situação de pandemia, torna-se difícil
realizar actividades de extensão.
Surgiram, portanto, razões que
inviabilizam muitas actividades, o que
veio a afectar, obviamente, a realização
das actividades de ensino e de extensão.
Estamos a viver uma situação anormal e
que nos obriga a definir que tipos de
actividades podem ser realizadas sem
riscos para a saúde individual e colectiva
nas IES e nos contextos de intervenção.
Certamente, isso afecta a natureza e a
intensidade das actividades de extensão,
pelo que, mais não se pode exigir, por
enquanto.
O dilema reside em definir o que pode ser
feito face aos constrangimentos
decorrentes da situação de pandemia, por
um lado, e das necessidades da
comunidade, por outro. Se a extensão não
resolve todos os problemas, pelo menos,
contribui para os explicitar e tentar
encontrar soluções eficazes. É preciso não
esquecer que o melhor cartaz para
projectar a imagem social da IES é
precisamente o impacto deixado pelas
actividades de extensão universitária no
meio em que está inserida.
Devo destacar que, do ponto de vista do
Regime Jurídico, a extensão universitária
é uma função com a mesma importância e
dignidade que as funções ensino e
investigação científica, merecendo, por
isso, o mesmo tratamento por parte dos
gestores das IES, ou seja, a sua inclusão
no Plano de Desenvolvimento
Institucional (PDI). Se o ensino e a
investigação científica são objecto de
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planeamento, alocação de recursos e
imputação de responsabilidades, a
extensão universitária também o deverá
ser. Se assim não for, assistiremos, na
prática, a uma subalternização da
extensão universitária que se tornará no
“parente pobre” da gestão dos processos
essenciais de uma IES.
Ora, o que importa ressaltar é a
necessidade de institucionalização e de
reconhecimento académico da extensão
universitária enquanto parte constitutiva
da vida académica e condição para a
inserção das IES na vida social. Se o
ensino e a investigação são importantes
factores de formação de profissionais e de
produção de conhecimento, a extensão é o
vector mais próximo e mais congruente
com a missão social das IES e da educação
em si, contribuindo directamente para
que estas se constituam como força
motriz do desenvolvimento social.
Por isso, é exigível que esta função
substantiva do ensino superior seja
academicamente institucionalizada
mediante a valorização da sua
importância no Estatuto Orgânico das
IES e a sua inclusão nos Planos de
Desenvolvimento Institucional. Ou seja, a
extensão tem de estar devidamente
contemplada nas políticas institucionais e
nos instrumentos de gestão das IES e tem
de se tornar uma actividade relevante
permanente.
Finalmente, gostaria de destacar a
importância desta Revista no panorama
académico nacional, pelo facto de
abordar, com seriedade, uma função
primordial das IES, nem sempre
suficientemente valorizada e
concretizada. Neste contexto, gostaria de
chamar a atenção para a leitura atenta do
Livro de Actas da I Conferência
Internacional sobre Extensão
Universitária em Angola, realizada em
2017, onde se pode encontrar ideias e
experiências muito pertinentes para os
gestores académicos do país.
Licenciado sob a licença: Creative Commons Attribution-Non
Commercial 4.0 International License. Ao submeter o
manuscrito o autor está ciente de que os direitos de autor
passam para a Revista Angolana de Extensão Universitária.
Entrevista
realizada pela revista
em
12 de Março de 2021