Revista Angolana de Extensão Universitária, v. 2, n.3 (especial), Julho, p. 07-10, 2020
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EDITORIAL
Educação e Ensino em Tempo de Emergência: Realidades e Desafios em
Angola
Education and Teaching in Emergency Time: Realities and Challenges in Angola
Educación y Enseñanza en Tiempos de Emergencia: Realidades y Desafíos en Angola
ualquer olhar sobre o início do ano de 2020 reforça a ideia da onda de
indefinição causada pela pandemia da COVID-19 que assola a maior parte
dos países do mundo, acarretando consigo a constatação de um presente de
profunda desgraça e um futuro de incerteza em todos os domínios da vida, incluindo o da
educação e do ensino, nos quais os progressos até então alcançados, na senda da garantia do
acesso universal e inclusivo aos cidadãos, sofrem um profundo abalo, para o qual todos os
países do mundo, sem excluir Angola, estão instados a encontrar um conjunto de soluções
necessárias, oportunas e viáveis.
Muitos sistemas escolares pelo mundo, como efeito da pandemia, viram-se de repente
forçados a abandonar a modalidade presencial, de atendimento de alunos em salas de aulas, e
a adoptarem meios e métodos de ensino arrojados; refizeram e/ou refazem a organização dos
conteúdos, a gestão dos currículos e das aprendizagens, dos horários, do calendário
académico, do corpo docente, em suma toda a organização escolar está em ebulição perante o
desafio do presente.
Com efeito, as soluções que têm vindo a ser adoptadas como alternativas são
inúmeras, visam assegurar a continuidade do processo de aprendizagem de milhares de
crianças, jovens e adultos que frequentam a escola, porém nem sempre adequadas às
especificidades do contexto nacional e consequentemente nem sempre à altura das exigências
da educação para todos, isto é, democrática, universal, inclusiva e equitativa, de qualidade e
ao longo da vida.
As desigualdades sociais em países como o nosso, outrora pouco abordadas, passam,
deste modo, a ocupar a agenda das discussões centrais do Estado, apontando para a
necessidade de se repensar com bastante cuidado o retorno às aulas, pela constatação de
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debilidades como o acesso deficiente ou ausência total de fornecimento de água potável,
energia eléctrica, alimentação e outros bens e serviços básicos (em muitos casos), que se
apresentam como obstáculos à concretização de alternativas oferecidas ou mediadas pela
tecnologia. Desta forma, o que se observa é a existência de segmentos e/ou grupos de
excluídos que estão para além da simples ausência de vagas nas escolas, mas uma exclusão
que se de forma massiva pela impossibilidade de acesso a alternativas como tele-aulas,
ensino à distância por via da internet, ou mesmo rádio-aulas. Desta realidade dramática e
dicotômica, emergem inúmeros factos e várias questões cujas certezas do presente e
incertezas sobre o futuro sinalizam tempos de emergência para se desenvolver políticas
sustentáveis e inclusivas de Educação centradas, dentre outras, nas seguintes inquietações:
Como assegurar uma educação orientada para o desenvolvimento sustentável,
sobretudo no contexto actual? Como garantir educação para todos, incluindo mesmo aqueles
que eram excluídos antes por outras razões? Qual será o impacto para os alunos e
professores angolanos? Qual é o nível de resposta do sistema educativo angolano em relação à
preparação dos professores, bem como a adequação dos meios e materiais pedagógicos? Que
alternativas têm sido criadas pelas instituições e professores para manter a proximidade com
os seus alunos? Qual será o futuro da escola no pós-emergência? Que tipos de investimento
na educação teremos que fazer de agora em diante?
Numa perspectiva de participação comprometida com a causa da educação, e em jeito
de contribuição, algumas respostas para essas questões encontram ressonância nas reflexões
académicas, presentes nesta edição da Revista Angolana de Extensão Universitária, com o
objectivo de provocar um debate produtivo que sinalize para caminhos que ajudem todos os
agentes envolvidos no processo de educação a construir, juntos, soluções equitativas e
adaptadas ao contexto do nosso país, o somente em meio à situação de pandemia, mas de
forma sustentada, garantido que algumas lições, possam, de facto, ser tidas como aprendidas.
Deste modo, na colecção de artigos que apresentamos neste número, intitulado:
Reflexões Sobre Impactos da COVID-19 na Educação e Outros Questionamentos Para a
Sociedade Angolana, trazemos Uma Análise Swot dos Desafios da Educação nos Países
da África Subsahariana Ante a COVID-19, na qual se analisam os desafios impostos aos
países da África Subsahariana pela pandemia da COVID-19, destacando-se problemas
preexistentes tais como: o analfabetismo, a pobreza, a falta de água potável, a habitabilidade
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precária e o saneamento básico inadequado que, se não resolvidos, comprometeriam as
medidas preconizadas para a contenção da pandemia, bem como Uma Análise da Resposta
Angolana por Meio da Matriz PEST, em que se descrevem os aspectos políticos,
económicos, sociais e tecnológicos da resposta ao surto da COVID-19 em Angola, tendo os
aspectos políticos como o ponto forte da resposta angolana.
Na sequência, os impactos da COVID-19 sobre a educação são abordados no artigo:
COVID-19: Impactos na Vida Académica dos Estudantes Universitários, que nos revela o
surgimento de mudanças profundas na vida dos mesmos, alterando suas expectativas sobre o
ano lectivo, a interacção com os docentes e sua saúde mental. O artigo chama particular
atenção para as desigualdades socioeconómicas desta classe e como estas desigualdades
interferem no resultado das alternativas escolhidas pelas instituições de ensino.
O debate sobre a participação dos pais na educação dos filhos durante o isolamento foi
levada a cabo no artigo sobre a Continuidade da Acção Educativa no Contexto Domiciliar
Angolano Durante a Pandemia da COVID-19, no qual os autores trataram de identificar as
formas educativas adoptadas pelos pais e encarregados de educação, para auxiliar no processo
de ensino e aprendizagem dos filhos, demonstrando como a criatividade desses agentes de
educação foi posta à prova durante o período.
A questão das alternativas educacionais foi apresentada em duas experiências que,
apesar de serem relatos ligados ao ensino universitário, não deixam de ser de alto valor. No
artigo As Tele-aulas de Matemática Durante o Estado de Emergência foram usadas por
estudantes da disciplina de Prática Pedagógica, resultando em experiências e lições dignas de
nota. A grande inovação, neste caso, foi criação de uma oportunidade para os estudantes
testarem uma alternativa à forma habitual de realizar as aulas de observação. Esse exercício
revelou-se benéfico desde o ponto de vista da motivação e aprendizagem para a profissão
docente. Debateu-se também sobre O Uso do Facebook Durante o Estado de Emergência
Pela COVID-19, recorrendo-se a uma experiência também realizada com estudantes
universitários. Vale notar que, o facebook foi muitas vezes sugerido aos docentes como
alternativa no início da pandemia. O artigo analisa as potencialidades do Facebook no apoio
ao processo de ensino-aprendizagem, como contributo para a expansão da ferramenta no
auxílio ao ensino presencial nas Instituições de Ensino Superior (IES), em tempos de
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pandemia. Pelo mesmo, sustenta-se que o Facebook foi a rede social mais utilizada no apoio
ao ensino presencial.
Uma das grandes transformações, notada, resultante do contexto de pandemia, é a
mudança de hábitos, como a introdução da máscara para evitar o contágio. Este é o mote do
artigo: A COVID-19 e a Amputação Ritual em Contexto Angolano, que serve de suporte
para a introdução da ideia da pandemia e o mal-estar na cultura. No artigo, aborda-se a
questão de como o contacto físico, que é tido nas sociedades africanas como algo essencial
das interacções sociais e inclusive transcendental à dimensão física, passa a ter que ser
evitado, levando ao que o autor genialmente denomina por amputação ritual, pois é o que
passa a ocorrer em relação, por exemplo, aos rituais fúnebres, que são alterados por questões
de biossegurança.
Apresentamos, por fim, uma entrevista que intitulamos O Mal-estar Como Condição
de Normalidade, resultante da captação da experiência de um sobrevivente dos processos
iniciais de emergência da pandemia, colocando-o no centro das discussões apresentadas neste
número da Revista.
Acreditamos, portanto, serem vários os aprendizados desta edição, dentre eles: o
caminho para encontrar saídas viáveis para a situação actual na educação, passa
necessariamente pela articulação com outras questões sociais, tais como: saúde pública,
saneamento básico e acesso à tecnologia; torna-se necessária a utilização de uma estratégia
participativa, que envolva discussões de investigadores, sociedade civil e fazedores de
políticas públicas, sem nos esquecermos de observar e aprender com a experiência
internacional comparada, sobretudo de países com realidades próximas às nossas; que as
alternativas educativas dependem em grande medida da criatividade e ousadia dos rios
actores da educação; que a exclusão que se torna maior no contexto da pandemia é um
sintoma de um problema pré-existente e que precisa de ser enfrentado com soluções
sustentáveis a longo prazo.
Felizardo Tchiengo Bartolomeu Costa
Escola Superior Pedagógica do Bengo, Angola
Director Geral Adjunto para Área Científica
João Ima Panzo
Director da Acção Cultural de Língua Portuguesa do Secretariado Executivo da CPLP (Educação,
Cultura, Ciência, Tecnologia e Ensino Superior).